
O jornalista José Augusto Ribeiro conta em Tancredo Neves — A Noite do Destino que Figueiredo, tão logo soube da internação do presidente eleito, sugeriu ao ministro do Exército, Walter Pires, que se movimentasse para Sarney não assumir. O general, porém, fora destituído, pois a dispensa dos ministros estava no DOU. Quem o avisou foi Leitão de Abreu, que usou de uma artimanha: disse que a exoneração foi publicada antecipadamente, por engano — como registra a jornalista Regina Echeverria em Sarney, a Biografia. Pires não mandava mais nada.
Na frenética madrugada de 15 de março, houve uma reunião entre o presidente do Senado, José Fragelli (PMDB-MS), e Ulysses, com os líderes dos partidos nas Casas do Congresso. Diz a ata do encontro, catalogada nos anais do Senado, que "ouvidos todos os presentes, houve inteira concordância no sentido de que, mediante a apresentação de laudo médico que comprove a impossibilidade de o presidente eleito ser empossado nesta solenidade, a Mesa do Senado deverá dar posse ao vice-presidente eleito".
Às 10h12 de 15 de março, Sarney assumia. Nas horas de angústia que precederam a cerimônia, anotaria em seu diário: "Minha recusa era uma fuga. Eu tinha medo. Na minha cabeça estavam milhões de brasileiros olhando-me e apupando-me como o injusto beneficiário, que, por maquiavelismo, fizera tudo, rompera com o PDS, e agora, ajudado pelas forças do imprevisto, arrebatava a Tancredo a glória desse dia", revela Regina Echeverria em Sarney, a Biografia.
Do Congresso, seguiu para o Palácio do Planalto para dar posse ao ministério. Recebido por Leitão de Abreu, lê um texto de pouco mais de 1m30 da primeira à última palavra. "Eu estou com os olhos de ontem. E ainda prisioneiro de uma emoção que não se esgota. O Deus da minha fé, que me guardou a vida, quis que eu presidisse a esta solenidade. Ele não me teria trazido de tão longe, se não me desse, também, na sua bondade, as virtudes da paciência, do equilíbrio, da coragem, do idealismo, da firmeza e da visão maior das nossas responsabilidades perante esta Nação e sua História. Na forma da Constituição Federal, assumi a Presidência da República na impossibilidade de fazê-lo o senhor presidente Tancredo de Almeida Neves, a quem, tenho absoluta certeza, dentro de poucos dias entregarei o governo na forma da Constituição e das leis, no desejo e vontade do povo brasileiro. Os nossos compromissos, meus e dos senhores agora empossados, são os compromissos do nosso líder, do nosso comandante, do grande estadista Tancredo Neves, nome que constitui a bandeira de união do país. Exerceremos os nossos deveres, eu e os senhores, como escravos da Constituição, das leis, do povo e dos compromissos da Aliança Democrática, compromissos estes que, com determinação, jamais abandonaremos, das mudanças e das transformações. Desejo a todos os senhores ministros êxito em suas tarefas. Declaro empossado o ministério e encerrada esta solenidade", disse o agora presidente em exercício.
Segundo Fernando César Mesquita, ex-porta-voz da Presidência, "Sarney não queria ser presidente. Ficou muito chateado em assumir a vaga que era do Tancredo. Tomou posse com o governo todo formado. Até os cargos de terceiro escalão estavam ocupados, todos assinados. Sarney não tinha ninguém dele. As únicas pessoas dele no Palácio do Planalto eram eu, o Jorge Murad (secretário particular) e, depois, o (advogado, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras) Marcos Vilaça".
Figueiredo deveria passar-lhe a faixa presidencial. Não o fez porque entendia não ser Sarney quem deveria recebê-la. O general era conhecido pela irritabilidade, pelo descuido com as palavras, e também pela aversão à imprensa. Fumava entre dois e três maços, diariamente, de Parliament, cigarro então fabricado nos Estados Unidos, fator determinante para a morte na véspera do Natal de 1999. Em eventos públicos, escondia-se atrás de óculos escuros que, dizia-se, era para observar o cenário ao redor, hábito que cultivava desde os tempos em que fora diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI), no governo de Ernesto Geisel. Além disso, sofria de lancinantes dores de coluna, o que o levou a submeter-se a "operações espirituais" realizadas pelo médium Rubem de Farias Júnior — que dizia incorporar o espírito do "doutor Fritz". Dizia-se que tinha mau relacionamento com o irmão Guilherme Figueiredo (escritor, tradutor e dramaturgo), a ponto de não comparecer ao seu sepultamento, em maio de 1997.
Nem mesmo o fato de ter sido torcedor apaixonado do Fluminense tornava Figueiredo mais simpático. O apresentador, cineasta e produtor musical Carlos Imperial também tentou, em seu programa nas noites de sábado, na extinta TV Tupi, tornar o general mais palatável com a "Dança do Figueiredo" — cujo refrão era um alegre, mas desajeitado, "Figueiredo!, Figueiredo!".
Antes de deixar o Palácio do Planalto por uma discreta saída privativa, reuniu-se com o general Walter Pires e tentou visitar Tancredo. Conseguiu apenas conversar brevemente com D. Risoleta Neves, mulher do presidente eleito. Voltou à sede do governo, encontrou-se com alguns ministros, disse umas poucas palavras de agradecimento e deu por encerrado o mandato. (Colaborou Vanilson Oliveira)
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