
Tudo isso mudou por volta das 21h30 de 14 de março, quando Tancredo deu entrada no Hospital de Base. Não se tinha a clareza se era Sarney ou o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, quem deveria estar na sessão conjunta do Congresso que, inicialmente, estava preparada para receber o presidente eleito. Até que fosse dirimida a dúvida sobre quem era o número dois da linha sucessória da República, foram horas de consultas e discussões.
Pelas 20h da véspera da posse, logo depois da missa solene celebrada no Santuário Dom Bosco, Tancredo teve um mal-estar no jantar, depois de chegar com a família à Granja do Riacho Fundo. Recolheu-se ao quarto e, mesmo com fortes dores, pediu ao então secretário particular, o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), que lhe desse os atos da nomeação ministerial — que seriam entregues à Imprensa Nacional para publicação no Diário Oficial da União (DOU). O presidente eleito os leu e efetivou cada um dos nomes. Por volta das 21h, Tancredo foi removido emergencialmente.
Ao mesmo tempo, a cúpula do PMDB confraternizava-se em um jantar com o então primeiro-ministro Mário Soares, na Embaixada de Portugal, que viera para a posse de Tancredo. Foi o futuro ministro da Justiça, Fernando Lyra, quem recebeu o telefonema do também futuro colega de ministério Aluízio Alves, que assumiria a pasta da Administração, avisando-o de que Tancredo fora internado. E que a situação não era boa.
Tomaram todos o rumo do hospital. À frente do grupo, Ulysses, presidente da Câmara desde 28 de fevereiro. Sarney juntou-se à comitiva. A saúde do presidente eleito era um problema de grandes proporções, mas a consequência da internação não era de menor magnitude. Quem assume o comando da República se Tancredo lá não estiver?
Aqui, surge a dúvida se deveria ser Sarney ou se Ulysses ocuparia o cargo, provisoriamente, e convocaria eleições, sem que ele mesmo pudesse disputá-la. De acordo com estudiosos do período, o general Leônidas Pires Gonçalves — que se uniu ao grupo no hospital, saído às pressas de uma recepção em sua homenagem na Academia de Tênis —, futuro ministro do Exército, deu rumo ao debate: que seguissem a Constituição.
Ulysses conhecia a carta de 1967, mas foi o futuro ministro do Gabinete Civil, José Hugo Castello Branco, quem mostrou o livro com o texto constitucional. Pela interpretação que faziam dos artigos 76 e 77, da emenda constitucional de 1969, era Sarney que deveria estar na cerimônia das 10h. (Leia mais na parte três)