
Com 22 artigos de 36 autores, entre especialistas e magistrados, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) lança, nessa terça-feira, o livro Direito societário, recuperação judicial e falência na jurisprudência do STJ, com o objetivo de debater questões de alta relevância para o direito empresarial. A obra é coordenada pelo ministro da Corte Ricardo Villas Bôas Cueva e pelo professor Guilherme Setoguti Pereira e aborda recuperação judicial, falência, responsabilidade de administradores, além de promover diálogo com a jurisprudência.
Ao Correio, Cueva destacou a importância do assunto para a economia brasileira. "O livro trata, entre outras coisas, um pouco disso, de como o Brasil tem se modernizado no tratamento da insolvência das empresas em crise, porque isso é muito importante para que a economia funcione. De alguma maneira, é o termômetro da saúde da economia de um país. É a forma como o país trata os empresários em crise e o devedor em crise", afirma.
Como começou a organização e a escolha do tema do livro?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o tribunal que tem a palavra final em direito privado, sobretudo. É o tribunal que tem por missão uniformizar o direito federal infraconstitucional no Brasil, mas tem um volume muito grande de processos. Nós temos julgado 700 mil processos por ano, como o presidente da Corte, ministro Herman Benjamin, tem ressaltado em várias entrevistas. Então, acabamos julgando um grande volume de processos no direito privado, por exemplo, que tem a ver com direito do consumidor, direito bancário, direito da saúde.
Esse é um tema que a gente não costuma ouvir muito, certo?
Sim. Muitas vezes, não prestamos atenção em questões técnicas como o direito societário, a recuperação judicial, a falência, que são questões que orientam a atividade empresarial e dão segurança para que os empreendedores possam continuar a investir no país. Então, a ideia do livro era trazer autores de experiência, autores de peso, autores que têm contribuído para esses temas, para que eles fizessem uma análise de como a jurisprudência do STJ tem tratado dessas questões. Porque a gente, obviamente, analisa na Segunda Seção do STJ, nós analisamos também o direito privado todo, de A a Z. Temos o direito de família, de sucessões, de propriedade, o societário, a recuperação judicial, o direito da falência e outros.
Como esse tema é analisado no Judiciário?
Atualmente, muitas vezes, essas questões são decididas em arbitragens, mas no Judiciário continua tendo uma predominância. Então, é importante que a gente sempre atualize essas obras coletivas, que reúnem autores renomados, que têm experiência acadêmica e profissional relevante. Elas acabam sendo uma lembrança de como o tribunal vai evoluindo rapidamente com o tempo, de acordo com as mudanças na lei e com as mudanças na economia.
Quem são os autores presentes no livro e os temas analisados?
Temos ministros, professores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Brasília (UnB), professores da Pontifícia Universidade Católica (PUC), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), magistrados. Os temas embarcam muita coisa. A questão do direito societário mesmo, a questão da responsabilidade dos administradores da sociedade anônima, como a jurisprudência do STJ caracteriza essa responsabilidade. O financiamento ao litígio e como isso afeta o acesso à Justiça. Na recuperação judicial, como fica a situação do fisco da União, dos estados, dos municípios. Isso era uma questão que tinha um tratamento na jurisprudência depois que a lei nova mudou.
O que mudou?
A nova lei de falências, também de 2020, acabou tendo um tratamento diferente para a alienação de ativos. E nós já temos jurisprudência sobre isso. O chamado stay period, que é o período que a empresa tem para conseguir se recuperar sem cobranças, também é tratado. Há vários temas que são muito relevantes no livro, tanto do ponto de vista teórico como prático, que são tratados no nível que terão interesse tanto para advogados, magistrados, acadêmicos, administradores de empresas.
Qual a importância de fazer um debate mais amplo sobre esse assunto?
Esse tipo de reflexão ajuda as pessoas a conhecerem melhor a economia e as condições reais do funcionamento da economia. São as regras que permitem que as empresas funcionem e como elas podem, quando estão em crise, ter condições de se recuperar — ou não. Houve um esforço grande, no Brasil, há cerca de 20 anos para reformar a lei falimentar, que vinha de 1945, muito antiga, que tinha um sistema de concordata e de falência muito antiquado, que estigmatizava o falido e que dava um privilégio muito grande a quem pedia a chamada concordata, que tinha o benefício de não pagar por muito tempo e penalizava os credores.
O que mudou?
Com a chamada recuperação judicial, você acaba com a concordata e permite que os credores tenham um papel muito maior, um relevo muito maior, um protagonismo maior na negociação das dívidas que a empresa tem e possam chegar a uma maior flexibilização no calendário de pagamentos da empresa para que ela possa se render e para que os credores não sejam muito prejudicados. Isso foi evoluindo com o tempo, houve várias reformas. O livro trata, entre outras coisas, um pouco disso, de como o Brasil tem se modernizado no tratamento da insolvência das empresas em crise, porque isso é muito importante para que a economia funcione. De alguma maneira, é o termômetro da saúde da economia de um país. É a forma como o país trata os empresários em crise e o devedor em crise.
Qual é o papel do STJ nessa questão?
No direito societário, no direito de recuperação, é importante que o STJ fixe uma interpretação da lei para evitar que haja interpretações dissonantes, divergentes, de vários tribunais no país — como já houve no passado. Às vezes, um tribunal de um estado tem uma interpretação, um tribunal de outro tem uma interpretação diametralmente oposta. O nosso papel é uniformizar o entendimento, fixar uma diretriz e fazer com que haja uma clareza interpretativa, que não haja dúvida quanto ao direito aplicável, e que, portanto, haja segurança, previsibilidade, calculabilidade, que os empresários saibam o que lhes é devido, e os credores também.
O lançamento é na terça-feira. Como está a expectativa para o dia?
A expectativa é que haja muita gente no tribunal e um pequeno debate antes do lançamento. Espero que alguns dos autores do livro possam vir, dizer algumas palavras antes do lançamento e que seja um momento de reflexão sobre essa evolução da jurisprudência da STJ.