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Análise: na questão fiscal, vale o que está escrito

Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se comprometeu com limites de gastos, arrecadação e endividamento do arcabouço fiscal

Lula foi eleito com uma narrativa de campanha contra o teto de gastos -  (crédito: Platobr)
Lula foi eleito com uma narrativa de campanha contra o teto de gastos - (crédito: Platobr)

No mundo dos negócios, como nas relações pessoais, credibilidade é fundamental. Esse é o xis da questão quando se compara os indicadores positivos da economia, como o crescimento do PIB, a queda do desemprego, os aumentos da renda média e do salário real, com o ambiente de incerteza que tomou conta do mercado. O governo está diante de uma sinuca de bico: cortar os gastos públicos ou ver a inflação comer a renda de milhões de brasileiros, principalmente dos assalariados que saíram da faixa de pobreza e correm o risco de voltar.

Lula foi eleito com uma narrativa de campanha contra o teto de gastos, que foi substituído por novas regras e diretrizes para as finanças públicas. De comum acordo com o Congresso, deu o pulo do gato e evitou um colapso fiscal no final do mandato de Bolsonaro. Com isso, não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo. Entretanto, se comprometeu com os limites e as prioridades de gastos, arrecadação e endividamento nos anos subsequentes do arcabouço.

O objetivo principal do arcabouço fiscal negociado em 2023 era assegurar a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo e, com isso, manter a confiança dos mercados, controlar a inflação e promover o crescimento econômico. Buscava-se equilibrar a necessidade de investimentos públicos com a responsabilidade de evitar deficits excessivos e crescimento descontrolado da dívida pública.

As novas regras estabeleceram que as despesas poderão crescer abaixo do ritmo das receitas, com limites claros, para evitar descontrole orçamentário. O arcabouço limita o crescimento da dívida pública em 70% da receita no limite de 2,5%. Entretanto, como ocorreu com o teto de gastos no governo Bolsonaro, a nova regra está sendo burlada pelo governo, com a anuência do Congresso, que é avesso a cortar gastos e, simultaneamente, a aumentar impostos. Sempre que preciso, retiram-se gastos do arcabouço fiscal, para "cumprir" a lei da responsabilidade fiscal sem cortar outras despesas como deveria. Precatórios, gastos com o combate às queimadas, socorro aos gaúchos durante as enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo.

Três cenários

Resultado: a inflação fechou 2024 em 4,83%, muito acima do centro da meta, 3%, e até do teto, de 4,5%. Em dezembro, ficou dentro do esperado, nos 0,52%, porém, como a meta é de 3% em 12 meses (com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo), os juros crescentes não foram suficientes para segurar os preços. Com a Selic nos 12,25% ao ano, 2025 começa com a inflação em alta.

A alta do dólar tem um papel relevante em tudo isso, com uma desvalorização do real em torno de 27%, o que deve repercutir na inflação dos próximos meses. A perda de confiança na política fiscal do governo impactou o câmbio e os juros futuros. Pode-se responsabilizar a especulação dos agentes financeiros, mas não foi só isso: a demanda de bens e serviços cresceu, a escassez de mão de obra jogou os salários para cima, a Petrobras segurou o preço dos combustíveis, os juros derrubaram o crédito, a inadimplência cresceu, o capital de giro ficou mais caro, a dívida pública cresce. Essa ciranda, segundo o Banco Central, fará com que a Selic chegue aos 14,25% em março, para conter uma explosão inflacionária.

Diante desse quadro, há três cenários. O otimista aposta numa recuperação acelerada, com crescimento de 2,5% a 3,5% do PIB, inflação controlada, investimentos estrangeiros, mais empregos na construção civil, serviços e tecnologia, ampliação do comércio exterior. O pessimista prevê crescimento abaixo de 1%, com recessão em setores na indústria e no comércio, inflação acima de 6%, instabilidade política, redução do nível de emprego, agravados por desaceleração da China e protecionismo nos Estados Unidos.

O cenário mais realista, porém, aponta para um crescimento entre 1,5% e 2,5%, impulsionado pelo agronegócio e pelas commodities; inflação entre 4% e 5%; ajustes fiscais e tributários parciais; manutenção dos atuais níveis de desigualdade; e novas oportunidades comerciais em razão da regionalização das cadeias globais de valor. O que poderia erradicar o pessimismo e transformar a avaliação mais realista no cenário positivo? Lula aceitar que as despesas do governo respeitem o arcabouço fiscal para recuperar a confiança no ambiente econômico.

 

 

Luiz Carlos Azedo
postado em 14/01/2025 03:55
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