diplomacia

Aliado de Lula, Mujica acena a despedida

Ex-presidente uruguaio diz que câncer se espalhou e que abandonou tratamento. Em dezembro, ele recebeu homenagem do chefe de Estado brasileiro

Em dezembro, Lula visitou Pepe Mujica no sítio dele e o condecorou com a Ordem Cruzeiro do Sul, maior honraria brasileira -  (crédito:  Ricardo Stuckert / Presidência da República)
Em dezembro, Lula visitou Pepe Mujica no sítio dele e o condecorou com a Ordem Cruzeiro do Sul, maior honraria brasileira - (crédito: Ricardo Stuckert / Presidência da República)

Aliado de longa data do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-chefe de Estado uruguaio José Alberto "Pepe" Mujica, 89 anos, anunciou, nesta quinta-feira, que o câncer no esôfago se espalhou e que ele abandonou o tratamento.

"O câncer no esôfago está se espalhando para o fígado. Não consigo impedi-lo. Por quê? Porque sou um idoso e porque tenho duas doenças crônicas. Não posso nem fazer tratamento bioquímico, nem cirurgia, porque meu corpo não aguenta", contou Mujica, em entrevista ao jornal local Búsqueda. "O que peço é que me deixem em paz, que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso."

No mês passado, Lula esteve em Montevidéu e visitou Mujica para fazer uma homenagem ao amigo e aliado político. "É uma emoção poder condecorar o grande companheiro Pepe Mujica com a maior honraria brasileira, a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, por sua incansável luta pelo melhor da América Latina e do mundo. Um exemplo para todos nós", afirmou o presidente brasileiro, na ocasião. "Essa medalha que estou entregando não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai, é pelo fato de ele ser como ele é. É a pessoa mais extraordinária que conheci."

Na época, Lula estava em território uruguaio para participar da 65ª Cúpula do Mercosul, evento em que aproveitou para citar Mujica como exemplo de "senso de justiça e inclusão".

Presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, Mujica aprovou medidas que ainda são sensíveis na política brasileira, como a legalização da maconha e do aborto.

Em 2012, o Uruguai se tornou o segundo país latino-americano a legalizar a interrupção da gravidez, depois de Cuba. A lei permite que cidadãs uruguaias façam o procedimento até a 12ª semana de gestação. O líder político chegou a declarar em entrevistas que era pessoalmente contra o uso da maconha e o aborto, mas que a legalização era a melhor forma de combater as práticas ilegais, discurso semelhante ao de Lula em 2022.

Foi na gestão de Mujica que o país avançou na legalização da maconha para uso pessoal. A liberação, assinada em 2013, prevê que nativos e estrangeiros residentes no país possam plantar e consumir a erva, além de criar um mercado de venda legal. A legalidade do casamento homoafetivo também se tornou realidade no Uruguai durante o mesmo mandato.

No Brasil, os temas aborto e drogas continuam sem avanços no Congresso Nacional e enfrentam ampla resistência de setores conservadores e da bancada evangélica. Tanto a descriminalização do porte de maconha, quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo não estão previstas em lei, mas são regulamentadas por decisões de repercussão geral tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O político liderou o Uruguai em um momento simbólico, que coincide com uma coalização de presidentes de esquerda na América Latina. Além de Mujica, governaram durante o período: Lula (2003 a 2010) e Dilma Rousseff (2011 a 2016), no Brasil; Evo Morales, na Bolívia (2006 a 2019); Cristina Kirchner, na Argentina (2006 a 2015); e Fernando Lugo (2008 a 2012), no Paraguai.

A proximidade política entre Mujica, líder dos Tupamaros, movimento guerrilheiro contra a ditadura no Uruguai, e Lula manteve a amizade entre os governantes mesmo após o fim dos mandatos. Até a edição desta reportagem, o chefe do Executivo brasileiro não havia se pronunciado publicamente sobre a revelação feita pelo amigo.

 

 

 

Gabriella Braz
postado em 10/01/2025 03:55
x