ATOS GOLPISTAS

Dois anos após os atos golpistas, uma reverência à liberdade

Representantes dos Três Poderes e apoiadores do governo celebram o Estado de Direito no dia que marcou dois anos dos ataques extremistas

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O "abraço da democracia", na Praça dos Três Poderes. No chão, vasos de flores formavam a palavra. A manifestação pública foi convocada pelo PT do Distrito Federal e por movimentos sindicais - (crédito: Ricardo Stuckert / PR)

Dois anos após os atos golpistas que marcaram o 8 de Janeiro, cerimônias no Palácio do Planalto, no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Praça dos Três Poderes celebraram a força da democracia brasileira. Em discurso na sede do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parafraseou o novo filme de Walter Salles, Ainda estou aqui — que trata da ditadura militar —, para reafirmar a resiliência do regime democrático.

"Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que estamos vivos e que a democracia está viva, ao contrário do que planejavam os golpistas de 8 de janeiro de 2023. Estamos aqui, mulheres e homens, de diferentes origens, crenças, partidos e ideologias, unidos por uma causa em comum. Estamos aqui para dizer, em alto e bom som, ditadura nunca mais, democracia sempre", enfatizou Lula, sob aplausos no Palácio do Planalto.

Desde o início da cerimônia, a plateia gritava "ditadura nunca mais" e "sem anistia". Lula ressaltou que "se ainda estamos aqui" é porque a democracia venceu. "Caso contrário, muitos de nós, talvez, estivessem presos, exilados ou mortos, como aconteceu no passado, e não permitiremos que aconteça outra vez", afirmou.

Em tom firme, ele destacou a importância de não esquecer os acontecimentos de 8 de janeiro, quando extremistas bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.

O presidente reafirmou o compromisso do governo com a investigação e a punição dos responsáveis pelos ataques, incluindo os envolvidos em um plano para assassinar a ele próprio, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

"Os responsáveis pelo 8 de Janeiro estão sendo investigados e punidos. Ninguém foi ou será preso injustamente. Todos pagarão pelos crimes que cometeram, inclusive, os que planejaram o assassinato do presidente, do vice-presidente da República e do presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Terão amplo direito de defesa e terão direito à presunção de inocência", assegurou. Em outro momento, ironizou o plano: "Eu escapei, junto com o Xandão e o companheiro Alckmin, de um atentado de um bando de irresponsáveis. Eu diria um bando de aloprados que acharam que não precisava deixar a Presidência depois do resultado eleitoral e que seria fácil tomar o poder."

Lula rebateu críticas ao esvaziamento do evento, com a ausência de nomes importantes da República. Não compareceram os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do STF, Luís Roberto Barroso. Lula disse ter lido na imprensa que haveria "pouca gente" na cerimônia. "Um ato de defesa da democracia brasileira, mesmo se tiver um só cara, uma só pessoa, numa praça pública ou num palanque falando de democracia, já é suficiente", destacou.

Ao fim da cerimônia, Lula e autoridades presentes desceram a rampa do Planalto para, juntos, darem um "abraço da democracia", na Praça dos Três Poderes. No chão, vasos de flores formavam a palavra "democracia", e apoiadores festejavam a presença do presidente. O ato público foi convocado pelo PT do Distrito Federal e por movimentos sindicais.

Judiciário e Legislativo

O vice-presidente do STF, ministro Edson Fachin, representou o Judiciário na cerimônia. Segundo ele, é preciso "sempre lembrar do que aconteceu, para que não se repita". "Precisamos lembrar sempre do que aconteceu, para que as novas gerações não se esqueçam das dores de uma ditadura e dos males que o autoritarismo traz", ressaltou o magistrado.

Fachin também leu uma mensagem enviada por Barroso, que está de férias. "Os atentados de 8 de janeiro foram a face visível de um movimento subterrâneo que articulava um golpe de Estado. Foi a manifestação de um triste sentimento antidemocrático, agravado pela intolerância e pela agressividade. Um desencontro político e espiritual com a índole genuína do povo brasileiro", escreveu o presidente do STF.

Na mensagem, Barroso ainda frisou: "Não devemos ter ilusões: no Brasil e no mundo está sendo insuflada a narrativa falsa de que enfrentar o extremismo e o golpismo, dentro do Estado de direito, constituiria autoritarismo. É o disfarce dos que não desistiram das aventuras antidemocráticas, com violação das regras do jogo e supressão de direitos humanos. A mentira continua a ser utilizada como instrumento político naturalizado. Não virão tempos fáceis. Mas precisamos continuar a resistir".

A segunda secretária da Câmara, deputada Maria do Rosário (PT-RS), compareceu à cerimônia no lugar de Lira, que se ausentou, segundo ele, por "motivos pessoais".

Quem representou o Senado foi o vice-presidente da Casa, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Pacheco, porém, se manifestou em nota. Disse que "não há liberdade verdadeira, responsável e plena fora do regime democrático". "Por isso, toda ação em defesa da democracia deve ser destacada, assim como realizamos, no ano passado, o ato Democracia inabalada, no Congresso Nacional".

Os comandantes do Exército, general Tomás Paiva; da Marinha, almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen; e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno, marcaram presença na cerimônia.

Obras de arte entregues

Na cerimônia de ontem, no Planalto, o presidente Lula recebeu 21 obras de arte que foram restauradas após os ataques golpistas. Os itens foram encontrados destruídos ou danificados na sede do Executivo, e a maioria deles passou foi recuperada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A exceção foi um relógio de mesa pertencente ao rei de Portugal Dom João VI, restaurado por relojoeiros na Suíça.

Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin também descerraram o quadro As mulatas, de Di Cavalcanti, exposto novamente em seu lugar original, no terceiro andar do Planalto. A tela, avaliada em R$ 8 milhões, foi esfaqueada sete vezes por vândalos. Para celebrar a restauração, a filha do pintor, Elisabeth Di Cavalcanti, compareceu à cerimônia.

Das obras restauradas, 20 foram em uma parceria entre a UFPel e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com atuação também da Universidade de Brasília (UnB). A equipe levou 1.760 horas para realizar o trabalho, com investimento público de cerca de R$ 2,2 milhões.

Ao todo, 50 profissionais especializados deixaram Pelotas (RS) para residir em Brasília e trabalhar na restauração das peças durante um ano.

 

 


Fernanda Strickland
Israel Medeiros
Mayara Souto
Victor Correia
postado em 09/01/2025 04:15
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