Ao anunciar, ontem, que a gigante das redes sociais Meta encerrará o programa de verificação digital nos Estados Unidos, o bilionário Mark Zuckerberg afirmou que há países na América Latina que mantêm "tribunais secretos", cujo objetivo é tirar, discretamente, conteúdo publicado nas plataformas. Embora não tenha feito uma citação direta, a crítica foi entendida nos Três Poderes como na direção do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ataque vem no momento em que a Corte analisa três ações que tratam de regras para redes sociais e a responsabilidade que têm pelo conteúdo publicado. Isso inclui avaliar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da web no Brasil. O placar, por enquanto, está 3 x 0 pela responsabilização das plataformas.
Além disso, em 2024 o ministro Alexandre de Moraes, do STF, bloqueou o acesso ao X (antigo Twitter) no Brasil e impôs multa milionária por descumprir decisões judiciais ao não retirar do ar publicações mentirosas, desinformativas e que continham distorções.
Por enquanto, a Meta vem colaborando com o Judiciário e moderando inserções que são claramente fake news. Inclusive, na corrida eleitoral de 2022, a plataforma — proprietária do Instagram, do Facebook e do aplicativo de mensagens WhatsApp — se comprometeu com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a impedir a disseminação de mensagens e publicações mentirosas, cujo intuito era o de direcionar a vontade do eleitor.
Sem mudanças
Para interlocutores do governo, a Meta não deve mudar o procedimento adotado no Brasil. Isso porque, no entendimento deles, o reposicionamento da plataforma tem mais a ver com a postura do futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defensor da ausência total de moderação ou de controle daquilo que circula nas redes sociais. Além disso, entendem que Zuckerberg não quer tornar-se um alvo do governo do sucessor de Joe Biden, que, inclusive, contará com a presença de Elon Musk, dono do X.
Nos bastidores do Judiciário, a impressão é semelhante à que transita, sobretudo, no Palácio do Planalto. Afinal, na queda de braço entre Musk e o ministro Moraes, foi o empresário que recuou. Para quer o X voltasse ao ar e as contas da Starlink fossem desbloqueadas, a representação do bilionário no país teve de desembolsar R$ 29 milhões.
Pesou também para que revisse a posição que adotara, as pressões de investidores sobre as empresas de Musk, preocupados com a redução dos lucros e com o crescimento no mercado brasileiro de potenciais adversários, como a francesa E-Space e a chinesa Space Sail, concorrentes da Starlink no fornecimento de sinal de internet por meio de satélites de baixa órbita. As duas foram autorizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a funcionar no país, no ano passado, quase ao mesmo momento em que a empresa de Musk estava com as contas bloqueadas, enquanto não pagasse as multas impostas por Moraes ao X.
Comemoração
Os bolsonaristas exultaram com a nova posição de Musk e acreditam que, em breve, a Meta abandonará a postura colaborativa com o Judiciário brasileiro. O ex-presidente publicou a notícia em seu perfil no X, mas se furtou de comentários. Seus filhos, porém, se manifestaram. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que "censurar as redes sociais não é saudável para a democracia".
O vereador Carlos Bolsonaro (PL), responsável pelas redes do ex-presidente, aproveitou a fala de Zuckerberg sobre suposta censura no Brasil para fazer uma ironia. "Ah, vá! Jura? Ninguém sabia!", publicou.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que o bilionário "detona Alexandre de Moraes sem citá-lo". "O efeito Donald Trump só está começando e muito mais fatos serão revistos!", escreveu.
Outros aliados de Bolsonaro festejaram o reposicionamento da Meta. "Esse momento em que tantas pessoas são perseguidas politicamente por sua opinião está começando a ter seu fim", festejou o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS).
A deputada Bia Kicis (PL-DF) também comemorou. "Não tem mais empresa ligada aos governos tiranos para checar quem fala a verdade, quem não fala a verdade e barrar quem não se alinha aos progressistas, à esquerda", afirmou.
O também deputado Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou que "as democracias estão se insurgindo contra a censura, a ditadura e a tirania". Disse, ainda, que o Brasil "será prioridade nessa guerra". A deputada Carla Zambelli (PL-SP) questionou se o anúncio seria um "efeito Trump".
Até o fechamento desta edição, o STF não tinha se manifestado sobre a insinuação de Zuckerberg. (Com AFP)Saiba Mais
Fabio Grecchi
Sub-editor de Política-Brasil-EconomiaEx-repórter da extinta revista Placar e de O Globo, no Rio de Janeiro. Ex-diretor de redação da extinta Tribuna da Imprensa, ex-editor executivo do Jornal de Brasília e ex-diretor da Entrelinhas Comunicação e Publicidade.