Entrevista

"De Baku a Belém, em busca de US$ 1,3 tri", diz secretário de Clima do Itamaraty

Embaixador André Corrêa do Lago diz que COP30 recebeu a missão de definir quem vai bancar as medidas de enfrentamento à emergência climática

"A conta é muito alta para os países desenvolvidos também, e a responsabilidade deles, que era mais clara em Paris, hoje não está tão clara assim", destaca Corrêa do Lago - (crédito: Vinicius Doria/CB/DA.Press)

Para o principal negociador brasileiro no tabuleiro geopolítico das mudanças climáticas e nome mais cotado para assumir a presidência da próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, no Brasil (COP30), US$ 1 trilhão é o total da conta que a capital do Azerbaijão passou para o balcão da capital do Pará depois do fracasso da COP29, que não conseguiu definir quem vai bancar a transição energética e as medidas de enfrentamento à emergência climática.

Essa é a segunda entrevista exclusiva que o embaixador André Corrêa do Lago dá ao Correio nos últimos seis meses. A primeira foi em Baku, em outubro, quando o jornal acompanhou a última reunião de preparação da COP29, apelidada de COP das Finanças. Os organizadores acreditavam que iriam conseguir dos países ricos o dinheiro necessário para bancar os altíssimos investimentos necessários para revolucionar a economia do mundo e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Deu errado.

O desafio brasileiro, agora, é evitar um novo fracasso na conferência de 2025. Até porque, lembra o embaixador, não há mais tempo a perder.

Baku empurrou para o balcão de Belém uma conta de US$ 1 trilhão e disse: "Resolva isso". Não é pouco…

Não, absolutamente. Baku aprovou até US$ 300 bilhões com vista a até US$ 1,3 trilhão. Então, há uma diferença significativa. E nós, realmente, recebemos esse mandato no sentido de que Brasil e Azerbaijão deveriam tentar fazer um plano sobre como passar de "300" para "1,3". Esse exercício vai exigir um grande esforço, inclusive, de imaginação, porque Baku provou que não há um entendimento de onde encontrar esses recursos. Vamos precisar de muita originalidade. Mas o Brasil teve uma experiência muito interessante no G20. O nosso G20 se concentrou muito na questão do financiamento climático. Vamos dar continuidade ao trabalho que começamos no G20, com a força-tarefa de clima, com quem o Brasil fez o seguinte exercício: juntar a trilha financeira com a trilha de sherpas (negociadores) para buscar soluções da área financeira.

Como isso se deu, na prática?

Juntamos, pela primeira vez, as equipes dos ministérios da Fazenda, das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, além do Banco Central, para procurarmos resultados. Foi muito interessante. No G20, até países como a Alemanha disseram para a gente que não fizeram esse exercício 'em casa' ainda, de juntar esses quatro órgãos para encontrar soluções. Para Belém, queremos ir mais fundo nesse exercício, que está sendo chamado 'De Baku a Belém em busca de US$ 1,3 trilhão'.

É um exemplo da dificuldade que os países desenvolvidos encontram para transformar a questão ambiental em uma questão transversal, que integre todas as instâncias de governo com a sociedade civil?

Temos que lembrar a origem do acordo da Convenção do Clima, que foi assinado no Rio de Janeiro na Conferência Rio-92, que tinha como título oficial 'Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento'. A questão da mudança do clima envolve diretamente o desenvolvimento dos países. A dimensão econômica das mudanças do clima sempre foi muito importante e, hoje, tornou-se óbvia. Todas as soluções para as mudanças climáticas exigem transformações econômicas em energia, transportes, a forma como as pessoas consomem, tudo tem que ser mudado. É por isso que é um imenso desafio. A transição para uma economia que leve em consideração a dimensão climática vai ser muito diferente de país para país. Mas, certamente, a questão do financiamento é essencial para todos.

Em 2015, na COP21, em Paris, havia um certo consenso de que os países ricos, que mais contribuem para o aquecimento global, deveriam arcar com a maior parte dos custos da transição. Um amplo acordo, que é referência até hoje, foi assinado. O que mudou do Acordo de Paris para cá?

Não sei se esse sentimento refluiu, mas, certamente, mudou por vários motivos. Primeiro, porque entrou na equação a noção de urgência, que era muito menor em Paris. É importante lembrar que os cientistas dizem que os fenômenos climáticos que vimos em 2023 e 2024 estavam previstos para 2040. Essa antecipação da crise climática faz uma grande diferença nessa negociação porque todos os países estão sendo, de certa forma, pegos desprevenidos. A conta é muito alta para os países desenvolvidos também, e a responsabilidade deles, que era mais clara em Paris, hoje não está tão clara assim porque estão vendo que a conta ficou muito alta.

No Acordo de Paris, os governos se comprometeram em trabalhar para limitarem 1,5ºC o aumento de temperatura média em relação aos níveis préindustriais. Os países apresentaram planos de ação individual para reduzir as próprias emissões por meio da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). O Brasil assumiu o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até o ano que vem, e em 43% em 2030, em relação aos níveis de emissões estimados para 2005).

Como essa conta se manifesta?

Vou dar um exemplo, que são os problemas que vemos na Europa. A transição energética está encarecendo a conta de luz das pessoas. Aí, os governos perdem eleições. Tudo é muito complexo. Agora, temos essa dimensão de política interna, que já existia, mas que, neste ano, está superforte, por exemplo, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos. Então, além da questão interna, temos também uma dimensão geopolítica. Quem vai se preparar para essa nova economia? Eles querem, claro, ser os países que vão liderar essa nova economia.

Ainda há o fator Donald Trump, nos Estados Unidos. O futuro presidente da maior economia do planeta é um negacionista climático. Essa posição pode contaminar outros países?

As circunstâncias geopolíticas tornam a COP30 particularmente complexa. O Correio notou, conversando com as pessoas em Baku, o quanto é grande a expectativa em relação à presidência brasileira da COP30. Muitos países, desenvolvidos e em desenvolvimento, acham que o Brasil é uma das poucas nações que podem fazer essa agenda avançar de maneira positiva.

De onde vem essa ideia da posição estratégica do Brasil?

Primeiramente, da tradição diplomática brasileira na área de meio ambiente, de clima, que começou bem antes da Rio-92, mas que é simbolizada pela Rio-92, pela Rio 20 (conferência que marcou os 20 anos da primeira reunião da Cúpula do Meio Ambiente na ONU, em 1992). Além dessa tradição, o mundo sabe que o Brasil é um país em desenvolvimento, mas que tem muita ciência, muita academia, muitas instituições, um setor privado forte. Ou seja, é uma sociedade muito ativa que, de certa forma, é capaz de vir com soluções porque existe toda essa riqueza, essa dinâmica dentro do país. Isso nos anima muito. Somos uma sociedade complexa e uma microversão do mundo, em que temos a extrema riqueza e, infelizmente, a extrema pobreza. Mas nós temos aqui uma fábrica de soluções. É por isso que muitos países acreditam que o Brasil possa fazer a diferença na presidência da COP30.

Mas o Brasil acredita, internamente, que pode fazer essa diferença, que pode liderar esse processo?

Eu creio que a grande força do Brasil vem das características do país e do perfil de um governo que quer dar prioridade a esse tema. É um desafio enorme, mas, se a gente conseguir criar um grande debate interno, poderemos dar uma série de respostas a perguntas que o mundo está se fazendo em relação à evolução da agenda climática.

O Brasil é cobrado para que lidere esse processo pelo exemplo, mas ainda deve alguns avanços na questão ambiental. Dá para melhorar nossa imagem perante o mundo?

Há, no Brasil, aquela coisa tipo "tudo é verdade", do Orson Welles. Aqui, tudo é verdade, nós temos, ao mesmo tempo, problemas como o desmatamento, mas mostramos capacidade para, em dois anos, reduzir o avanço desse desmatamento em 45%. É a maior redução de emissões do mundo nos últimos dois anos. Nós temos injustiças sociais imensas, mas temos programas sociais que são referência internacional. Nós temos que canalizar essa capacidade brasileira de encontrar soluções para chegar em Belém unidos, reconhecendo nossos desafios.

Esse debate traz alguns paradoxos. A União Europeia é uma importante parceira comercial do Brasil e tem uma grande consciência ambiental. Mas, nós temos um embate econômico com os europeus que envolve, diretamente, a questão ambiental, que é usada como argumento para proteger o mercado de lá. O que pode ser feito?

A palavra paradoxo é boa, muito apropriada para essa situação. Mas acredito que essa relação com a União Europeia — ainda mais por termos conseguido chegar a um acordo negociado com o Mercosul — é uma etapa incrivelmente importante, com uma dimensão geopolítica igualmente importante. Estamos unindo duas regiões que ainda acreditam em um modelo de desenvolvimento baseado na democracia, na justiça social e no desenvolvimento sustentável. Mas, quando se coloca comércio no meio, a coisa se complica. Naturalmente, todos querem defender seus interesses.

Como consolidar esse acordo de livre-comércio firmado recentemente entre o Mercosul e a União Europeia?

Nós temos que manter esse debate, mas deve ser baseado em dados reais, em métricas acordadas mutuamente e, conseguindo isso, acredito que esse acordo pode ser uma referência invejada por muitos outros países. Afinal, será a maior zona de livre-comércio do mundo, não se pode subestimar a importância dessa negociação. Mesmo muito tarde na negociação, o Brasil conseguiu algumas mudanças importantes, defendeu os interesses brasileiros de forma muito significativa.

Até que ponto o pragmatismo brasileiro nas questões comerciais nos ajuda a enfrentar esse momento geopolítico tão delicado, em que todo mundo desconfia de todo mundo?

A primeira obrigação de uma diplomacia é defender os interesses do seu país. E a primeira coisa que nos vem à mente é a paz. A confiança na nossa diplomacia vem muito do fato de que nós cumprimos a primeira obrigação da diplomacia, que é a paz. Mas o Brasil também tem longa tradição em negociações comerciais, de defesa dos interesses brasileiros no comércio. Essa defesa está muito relacionada à questão ambiental. A maioria das barreiras criadas ao longo das duas últimas décadas foram, em grande parte, resolvidas na OMC (Organização Mundial do Comércio) ou por legislações internacionais.

Mas, agora, as barreiras vêm, justamente, do debate ambiental…

A questão ambiental acaba sendo, hoje, uma das questões que nós precisamos desenvolver padrões internacionais que resolvam as disputas comerciais de um país como o Brasil, que alega que são desvios dos acordos ambientais, dos acordos climáticos. Se a gente pegar a declaração da Rio-92, vamos ver que isso não é novo. Diz, no princípio 12, que "medidas de política comercial para propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para imposição de discriminações arbitrárias ou injustificáveis, ou em barreiras disfarçadas ao comércio internacional".

Já se previa, então, há 20 anos, que as questões ambientais poderiam ser usadas como instrumento de pressão em disputas comerciais?

Já em 92, as pessoas já estavam vendo, nessa questão comercial, uma nova forma de barreira comercial. Na época, havia várias outras, como subsídios, direitos humanos, vários motivos que sempre vão aparecendo. Aí você vê, em 2024, isso aflorar de maneira claríssima na política de um grande parceiro comercial (União Europeia) é uma coisa chocante para o contexto internacional. Acredito que, entre grupos de países democráticos, com sociedade civil consciente, com racionalidade, liberdade de expressão, tenho certeza de que isso pode ser resolvido.

A leitura desse princípio da Carta do Rio-92 revela mais um exemplo da dificuldade que a comunidade internacional tem de tirar medidas do papel para que possam ser postas em prática. Essa foi uma das principais críticas à COP29, em Baku. Como recado para Belém, não está passando da hora de acabar com as discussões eternas e partir para a ação?

Esse é o nosso desafio. Esse é o ponto essencial. O Acordo de Paris e a Convenção do Clima mostraram que são consensos muito bons para negociação de decisões de grande importância não só para combater a emergência climática, mas, também, para as economias, para uma transição energética justa. De fato, o grande desafio é conseguir fazer disso algo implementado. É nesse contexto que, durante a COP de Baku, o presidente Lula, no G20 do Rio, na sessão sobre desenvolvimento sustentável e clima, lançou a proposta de criação do Conselho de Mudanças do Clima das nações Unidas. E por que criar um conselho? Porque o próprio presidente Lula, na Conferência de Sharm-el-Sheik (no Egito, em 2022), ainda como presidente eleito, comentou o quanto era frustrante assinar tantos papéis e ter tão poucos resultados. Nem são tão poucos assim, mas muito menos do que deveríamos ter.

Mas o que poderia mudar com a criação de um conselho vinculado à ONU?

A ideia do conselho é ter, nas Nações Unidas, uma estrutura que realmente tenha autoridade sobre os demais órgãos da própria ONU. A Convenção do Clima tem um papel muito limitado. Esse é mais um órgão entre muitos, e que não pode dar ordens a esses outros órgãos. Um conselho poderia ser muito mais efetivo em conseguir que todas as nações signatárias executem o que se decide no contexto das mudanças do clima. As Nações Unidas também têm que iniciar e fortalecer o diálogo com as instituições de Bretton Woods, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Bird (Banco Mundial), e com os bancos de desenvolvimento em geral. Como as soluções de combate à emergência do clima têm que ser econômicas, esses órgãos têm muito mais impacto sobre essa dimensão. Chega de negociar documentos com êxito que não sejam, depois, implementados.

A crise do multilateralismo preocupa, é mais uma dificuldade dessa extensa lista de problemas? 

Temos que lembrar que todas as instituições multilaterais foram criadas por países que queriam sua autoridade sobre esses organismos. A ONU precisa do apoio dos países membros. Sei que essa frustração ficou muito clara, neste ano, pela situação de Gaza (enclave palestino ao Sul de Israel, sob intenso ataque das forças israelenses desde que o grupo terrorista islâmico Hamas sequestrou mais de 250 pessoas, em outubro de 2026). A quantidade de vezes que o tema foi discutido na ONU reflete essa frustração. Então, há desde a questão da paz até o comércio, porque a OMC está razoavelmente paralisada, infelizmente, até as mudanças do clima, em que temos muitas decisões que não são implementadas.

É possível, em 2025, restaurar esses canais para que Belém possa receber essas entidades mais fortalecidas? 

Não podemos ter a ilusão de que vamos conseguir resolver todas as questões em apenas uma conferência. Além do mais, Belém é uma etapa do processo. O que vai acontecer em novembro terá que ser construído ao longo do ano. Uma das coisas mais importantes a ser construída é, no fundo, um aumento de confiança, ou, ao menos, uma expectativa de juntar os países para que possamos aprovar em Belém os elementos essenciais do que poderemos, depois, chamar de sucesso.

A COP é, essencialmente, uma conferência econômica? 

Temos que entender que ela é extraordinariamente transversal, como a ministra (do Meio Ambiente) Marina Silva costuma dizer. A mudança do clima começa com uma questão científica, nos anos 1970, 1980, que é quando a ciência se dá conta de que o homem está alterando o clima. Continua, pouco a pouco, adquirindo várias dimensões. Na Rio-92, até grandes jornais, como o (britânico) The Economist achavam que era muito cedo para começar a discutir mudanças climáticas, porque não havia muitas informações nem soluções para que pudéssemos nos orientar. A Convenção do Clima acelerou o conhecimento científico, o desenvolvimento tecnológico e o interesse econômico por uma economia de baixo carbono. Há grandes ganhos. 

Que ganhos podem ser vistos hoje?

Se você pensar que, hoje, a energia solar e a energia eólica são as mais baratas que temos, é um resultado que começa com um esforço dos países de procurar soluções. A conferência é essencialmente econômica porque nos demos conta de que nenhum governo do mundo tem dinheiro suficiente para mudar sua economia. É preciso desenvolver tecnologias, criar infraestruturas, tem que fazer tantas coisas que é preciso envolver a sociedade inteira. O que abre um outro desafio fascinante. Temos vários países que estão apostando em aumentar a capacidade de energia nuclear, que não contribui para a mudança do clima, e temos outros, como a Alemanha, que decidem eliminar essa energia. No fim das contas, vemos que ainda são decisões individuais dos países.

A Alemanha já está revendo essa posição…

Dependendo das eleições. Ainda temos uma dimensão nacional extremamente importante, que é a decisão política de ir numa direção ou na outra. Há países, como o Brasil, que têm muitas opções, que podem decidir seguir em determinadas direções. Aí entram a questão política, muito forte, e os interesses já estabelecidos dentro do país que, normalmente, são muito mais ativos do que aqueles que poderiam ganhar com essa agenda. O temor de perder espaço, geralmente, provoca mais ação do que a expectativa de ganhar espaço.

Nessa perspectiva, o agronegócio não precisa entrar de vez neste debate? Ele também não pode ter ganhos nesse mundo novo?

O agronegócio tem demonstrado, no Brasil, o êxito de práticas mais sustentáveis. O que precisamos é, justamente, apoiar o agronegócio nas imensas vantagens comparativas que já conhecemos e adicionar a dimensão de combate à mudança do clima. Várias práticas agrícolas podem contribuir para o combate à emergência climática, e não ser um problema.

Por exemplo?

As florestas, que são vistas como um problema por causa do desmatamento. Mas a única solução científica comprovada de redução de CO2 na atmosfera é a restauração florestal. A floresta é, antes de mais nada, uma solução para o clima. A agricultura também pode ser. Essa experiência brasileira de reverter o que é visto como algo negativo é um dos objetivos mais fascinantes deste ano de 2025, para chegarmos a Belém com o Brasil como fonte imensa de soluções para o problema do clima.

Belém fechará uma trinca de COPs promovidas por países produtores de petróleo (Emirados Árabes Unidos/2023, Azerbaijão/2024 e Brasil/2025). Uma das críticas que esses países recebem, inclusive o Brasil, é que nenhum deles vai abrir mão dos combustíveis fósseis, mesmo que o mundo esteja debatendo transição energética para um modelo de baixo carbono. Qual é a posição brasileira, afinal, em relação à exploração petrolífera?

O Brasil tem uma circunstância diferente em relação aos dois países anteriores. É um país de muitas opções, não pode ser caracterizado como um país petroleiro. Nós temos muitas opções, tantas atividades econômicas que fazem com que tenhamos essa complexidade fascinante. Mas, é verdade que o petróleo adquiriu uma dimensão imensa na economia brasileira e, inclusive, neste ano, deve ser o nosso principal item de exportação.

Esse é outro paradoxo da transição energética?

O presidente Lula já comentou o quanto é interessante a perspectiva de o Brasil ser o líder nessa transição para uma economia de baixo carbono. O mundo inteiro já concordou em se afastar dos combustíveis fósseis, mas esse é um processo que vai ser muito diferente de país para país. O Brasil é, muito mais, um campeão das energias renováveis do que um petroleiro, ao contrário dos outros dois. Esse é um dos argumentos que levam o mundo a achar que o Brasil deve ter uma liderança nessa área.

O dinheiro do petróleo deve financiar a transição para a economia de baixo carbono?

Difícil achar uma função melhor para o petróleo do que ajudar o desenvolvimento de um país ao mesmo tempo em que contribui para a transição energética.

O senhor é o principal negociador da diplomacia brasileira na questão climática e um dos nomes mais cotados para presidir a COP30, em Belém. Com essas credenciais e, levando em conta que Belém é uma cidade com enormes problemas ambientais — tem favelas, saneamento é precário —, que conselho o senhor daria ao governador do Pará, Elder Barbalho, sobre o que deve ser feito nos próximos 11 meses?

Eu não preciso dar conselho nenhum ao governador porque tem demonstrado um dinamismo, uma originalidade e uma coragem extraordinárias. Ele está se fortalecendo como uma das grandes lideranças políticas do país. É muito positivo que o Pará, de fato, reúne a maioria dos grandes problemas brasileiros naquele espaço gigantesco, é um estado imenso. Já foi recorde de desmatamento e, agora, tem a legislação ambiental mais avançada do país. É um estado com desafios sociais imensos e que não estão sendo escondidos. Ao contrário, é um incentivo para que a COP30 revele o potencial incrível que o estado tem. É um estado importantíssimo na área da mineração, também. O Pará tem vários caminhos que pode seguir, e o governador Elder escolheu as direções que levam o estado para ser um líder na nova economia, ele está apostando na nova economia. Isso é extremamente importante para fortalecer a posição do Brasil na COP30.

Olhando para o futuro, como um dos nossos maiores especialistas no tema, o senhor é otimista ou pessimista em relação à nossa capacidade de enfrentar a emergência climática?

Acho que eu consigo, ainda, ser otimista com relação ao Brasil. Acredito que a COP30 vai servir para convencer ainda mais setores da sociedade brasileira de que a agenda de combate à emergência do clima é uma grande oportunidade para o Brasil. Por exemplo, quando apresentamos a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira, os estrangeiros ficam impressionados por já termos assinado um pacto entre os Três Poderes para transformação ecológica. Isso vem do fato de o Ministério da Fazendo ser o líder dentro do governo brasileiro em adaptar o Brasil para a nova economia. O mais difícil já está acontecendo no Brasil. O combate ao desmatamento está tendo um sucesso muito grande. O apoio dos mais diversos setores econômicos brasileiros à COP30 também é indiscutível. Com os nossos cientistas, com nossas instituições e com nossa sociedade civil temos muitos motivos para sermos otimistas em relação ao Brasil, a como o país vai abraçar esse novo modelo de desenvolvimento econômico e social.

E o pessimismo, o que o alimenta?

Infelizmente, tenho que ser um pouco pessimista em relação ao resto do mundo. Temos que lembrar que, mesmo conseguindo chegar ao desmatamento zero na Amazônia, mesmo que nos transformemos em uma economia muito avançada nessa transição, sabemos que, se os demais países não reduzirem suas emissões, como nós vamos fazer, poderemos ter impactos dramáticos, por exemplo, de savanização da Amazônia, desertificação da Caatinga, seca no Pantanal. E um grande impacto sobre o regime de chuvas no Brasil, que seria terrível para a agricultura brasileira. Por isso é que a gente tem que querer muito que Belém dê certo. A cooperação internacional na questão do clima é, simplesmente, essencial. Nós não podemos fazer tudo certo sozinhos. Temos que fazer tudo certo em nossa própria casa e trabalhar muito para que os outros também cuidem de suas casas para que o impacto não venha a destruir, no Brasil, o que fizemos de certo.

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O Congresso deu um passo importante, neste ano, quando aprovou o mercado de créditos de carbono. Para muitos especialistas, esse mercado é fundamental para financiar a transição energética e mitigação de danos climáticos. É como o senhor vê?

É uma forma importantíssima de financiamento. O mercado de carbono na União Europeia e na China teve uma influência muito grande na transição energética desses países para uma economia mais limpa. Regulamentar esse mercado foi um passo fundamental e uma oportunidade imensa para o Brasil.

Qual é o horizonte que o senhor vê ao mirar 2025?

É um dos últimos anos que teremos, segundo a ciência, para evitar que as emissões façam com que a temperatura ultrapasse 1,5ºC em relação à era pré-industrial. Cada ano que passa já é importante por definição, já temos pouco tempo para fazer o que precisa ser feito. Como o Brasil tem essa responsabilidade de, ao longo do ano, organizar uma COP que tenha um impacto ainda maior do que, simplesmente, o dos esforços individuais de um país, adoraria ver, no início de 2025, um amplo debate nacional sobre os grandes desafios do Brasil, para que possamos chegar unidos na conferência de Belém. Nós temos que ter um pacto nacional pela COP30. Se nós temos que chegar unidos, nós temos que debater muito, internamente, as dúvidas, os desafios e as oportunidades que nós vamos ter de abraçar a agenda de mudança do clima de maneira muito ampla. E temos que abraçar essa nova economia que, creio, deve favorecer o Brasil mais do que qualquer outro país.

O assunto é muito sério, mas Belém não pode perder esse clima de festa, de congraçamento, que tem tudo a ver com nossa cultura...

Nós somos brasileiros. Nós associamos ao bem estar social uma dimensão de felicidade e de alegria que eu acho importante que seja preservada, sim.


Vinicius Doria
postado em 06/01/2025 03:55
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