O retorno de Donald Trump à Casa Branca é visto como um entrave internacional para o avanço de políticas públicas sociais e ambientais. Especialistas ouvidos pelo Correio dizem que há um certo pessimismo sobre a continuidade e efetividade de acordos multilaterais com o novo governo dos Estados Unidos.
Em 2025, o Brasil será palco de discussões mundiais envolvendo questões centrais como o meio ambiente, com a realização da COP30, em novembro, em Belém, no Pará, onde serão reavaliadas as metas do Acordo de Paris, para diminuir gases do efeito estufa. Apesar de ter assinado o compromisso internacional, em 2015, os EUA nunca tiveram avanço significativo para segui-lo e, no primeiro governo Trump, ele ameaçou deixar a tratativa.
- Leia também: Como a vitória de Trump pode impactar o Brasil?
"Com o retorno de Donald Trump à Presidência dos EUA é possível que haja um impacto nas agendas de sustentabilidade e cooperação internacional. Ele já demonstrou ceticismo em relação a acordos climáticos e multilaterais, o que pode enfraquecer o apoio dos EUA a iniciativas como a COP. Isso pode resultar em desafios adicionais para o Brasil e outros países que buscam avançar com essas agendas, exigindo estratégias mais robustas de diplomacia e engajamento internacional", avalia Leandro Barcelos, gerente de Comércio Internacional da BMJ Consultores Associados.
Desafio
Antes disso, em julho, o Brasil sediará a Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para debater uma moeda alternativa ao dólar. A ideia foi trazida à tona no encontro do grupo no ano passado e provocou reação negativa de Trump. O presidente eleito ameaçou ampliar tarifas para todos os países-membros do Brics — que recentemente incluiu Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.
"Recai sob a diplomacia brasileira um super desafio de reconfigurar e reconstruir um pouco esse cenário (internacional) para que a gente consiga caminhar. Eu acho que a gente vai sentir muitos impactos ao longo dos próximos meses, enquanto as negociações (da COP30) acontecerem. Eu vejo que isso pode, de um lado, enfraquecer ainda mais o multilateralismo, porque outros países também podem se ver numa possibilidade de não aderir ou de não atender ao Acordo de Paris. Mas, também pode abrir um espaço para uma nova liderança, que a China pode ocupar muito bem", comenta Flávia Bellaguarda, diretora-executiva da Organização Latino-Americana de Advogados do Clima para Ações de Mobilização (Laclima).
Combate à fome
Outro ponto importante que pode ser afetado pela gestão Trump é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que foi lançada sob presidência brasileira à frente do G20, em 2024. Na ocasião, o atual presidente, Joe Biden, assinou o documento de adesão ao compromisso internacional — que tem a chancela de 89 países e 75 organismos internacionais. No entanto, há dúvidas se o país continuará no pacto.
"A ideia da Aliança é bem ambiciosa, de reduzir os índices de fome e miséria até 2030. Mas, agora, com a eleição de Trump, e o avanço da extrema-direita, isso vai ser muito difícil porque são governos não aliados no combate estatal da fome. Pelo contrário, costumam barrar o avanço dessas políticas públicas", alerta Vanessa Daufenback, socióloga e professora da PUC-PR.
Para a especialista, a questão da fome vai além, já que é ampliada em zonas de conflitos e guerras. "Os maiores índices de fome e insegurança alimentar estão em zonas de guerra, no Sudão, no Oriente Médio, com o conflito entre Israel e Palestina, e não tem previsão de isso ser resolvido. Existe, ainda, um medo de que Trump vai protelar o conflito entre Israel e Palestina, se ele continuar no apoio a Israel ou aumentar esse apoio. Isso vai elevar ainda mais os percentuais (de fome) nos povos palestinos", lamenta Daufenback.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Saulo Ceolin, coordenador-geral de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério das Relações Exteriores (MRE), reconhece a preocupação, mas se mantém otimista. "Vai afetar o sistema internacional como um todo, vão ter impactos na Organização das Nações Unidas (ONU) e a Aliança também pode ser afetada. Estamos falando do país que é o principal contribuinte para a cooperação internacional, de fato, é muito relevante. Ao mesmo tempo, até para os Estados Unidos do Trump, as questões de combate à fome e à segurança alimentar nunca deixaram de ser importantes. É um tema que tem quase um consenso bipartidário, considerando republicanos e democratas", enfatiza.
Além disso, o representante do Itamaraty também aponta que o combate à fome, nos países que mais necessitam, pode reduzir a necessidade de migração, uma bandeira fortemente defendida pelo magnata norte-americano. "A principal origem da imigração em direção aos EUA, em geral, é de pessoas dos países que mais sofrem com pobreza e fome. Pode ser que apoiar o combate a esses problemas seja uma forma de garantir um menor fluxo de migrantes", acredita.