segurança pública

Governadores criticam decreto que limita uso de força letal pela polícia

Regras de abordagem por agentes com poder de polícia preveem que arma de fogo só deve ser usada em "última instância"

Um decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que restringe as possibilidades de atuação das polícias do país virou mais um alvo de embate entre governadores e o Palácio do Planalto. Na prática, o texto veda o uso de arma de fogo em situações que não representem riscos aos profissionais de segurança. O decreto estabelece normas sobre o uso da força e de instrumentos não letais, abordagens, buscas domiciliares e atuação dos policiais penais nos presídios.

O Ministério da Justiça informou que ficará sob sua competência a atribuição de editar normas complementares, além de financiar, formular, implementar e monitorar ações relacionadas ao tema. A pasta deverá oferecer capacitação profissional e trabalhar para a divulgação das normativas sobre o uso da força aos agentes de segurança pública e à sociedade. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que o "uso da força letal" só deve se dar em última instância.

"Dentro do Estado Democrático de Direito, a força letal não pode ser a primeira reação das polícias. É preciso que se implante de forma racional, consciente e sistemática o uso progressivo da força. Só podemos usar a força letal em última instância. É preciso que a abordagem policial se dê sem qualquer discriminação contra o cidadão brasileiro, se inicie pelo diálogo e, se for necessário, o uso de algemas dentro dos regulamentos que existem quanto a esse instrumento de contenção das pessoas, evoluindo eventualmente para o uso de armas não letais, instrumentos não letais que não provoquem lesões corporais permanentes nas pessoas", declarou Lewandowski, nesta quarta-feira (25/12).

À noite, o ministro divulgou uma nota ainda mais dura, desta vez, endereçada à própria PRF. "A polícia não pode combater a criminalidade cometendo crimes. As polícias federais precisam dar o exemplo às demais polícias. O lamentável incidente ocorrido no Rio de Janeiro demonstra a importância de uma normativa federal que padronize o uso da força pelas polícias em todo o país", complementou.

O decreto foi publicado no Diário Oficial da União na noite de Natal, no mesmo dia em que uma equipe da Polícia Rodoviária Federal (PRF) — corporação diretamente subordinada ao Ministério da Justiça — atirou contra o carro da jovem Juliana Leite Rangel, de 26 anos, em Duque de Caxias (RJ), durante uma abordagem. A jovem ia com a família comemorar a festa natalina em Niterói. Ela está internada em estado gravíssimo.

"Inconstitucional"

A medida do Ministério da Justiça foi criticada pelos governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que a consideraram uma "interferência" do governo federal nas atribuições dos estados.

Ibaneis Rocha, em declaração ao Correio, criticou duramente o decreto. "É exatamente isso, (estão) entregando a população aos bandidos e intimidando as forças policiais", afirmou. Em entrevista à CNN Brasil, ele declarou, ainda, que o decreto é inconstitucional. "É interferência total. Uma pena que o governo federal, ou melhor, o presidente Lula, não saiba seu espaço. Quem faz segurança pública são os estados", argumentou.

Para Caiado, o presidente Lula "desconhece" a realidade da atuação policial. Ele criticou o fato de que os estados podem ficar sem acesso a recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública caso não sigam as normas. "Trata-se de uma chantagem explícita contra os estados, que acaba favorecendo a criminalidade", disse o governador goiano.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), nas suas redes sociais, considerou o decreto inconstitucional e que pretende acionar o Supremo Tribunal Federal para suspender a medida. "Decreto sem diálogo, publicado na calada da noite, sem amparo legal e numa clara invasão de competência", postou ele.

Moderação

O Ministério da Justiça informou que, entre os principais pontos da norma, está a definição de que a força letal "somente poderá ser empregada quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos". Também cita que o uso de arma de fogo será sempre "medida de último recurso". Há a previsão de que, sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, a ocorrência deve ser detalhada de acordo com regulamentação a ser feita pela pasta.

A maioria das regras já estava prevista em portarias internas das polícias, em protocolos de atuação e em uma portaria do Ministério da Justiça editada em 2010. No entanto, com a publicação de um decreto, as normas ganham força de lei e podem, inclusive, pressionar órgãos policiais para fiscalizar a atuação de seus próprios integrantes nas ruas. O decreto prevê ainda a criação do Comitê Nacional de Monitoramento de Uso da Força, que vai fiscalizar a adoção das regras e a conduta das corporações.

Também determina que policiais e demais integrantes de órgãos de segurança pública passem por cursos anuais sobre uso da força nas suas atividades. Para tornar viável o uso de arma de fogo apenas em último caso, o governo federal deve garantir a disponibilização de equipamentos de proteção individual e de, no mínimo, dois instrumentos de menor potencial ofensivo a todos os profissionais da área de segurança pública em serviço. Além disso, a pasta da Justiça deve monitorar e divulgar os dados de uso da força de maneira transparente, em relatórios que devem ser levados ao conhecimento da sociedade.

 

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