Com a crescente polarização política na América do Sul, o Brasil enfrenta um cenário geopolítico marcado por incertezas e desafios estratégicos. Governos com visões ideológicas opostas dificultam a harmonização de políticas no Mercosul, enfraquecendo o bloco como uma plataforma de integração econômica.
Ao sul, a Argentina passa por transformações significativas com a chegada ao poder de Javier Milei, defensor de um ultraliberalismo que questiona a tradição de cooperação regional. No norte, a Venezuela segue mergulhada em uma crise política e humanitária sem precedentes, com impactos profundos para toda a região. Entre os dois países, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tenta equilibrar pragmatismo e valores democráticos para consolidar sua posição como mediador e líder regional.
A Argentina é um dos principais destinos das exportações brasileiras, impulsionadas pelos setores automotivo e agrícola. Apesar disso, o país enfrenta desafios internos agravados pelas políticas econômicas defendidas por Milei. Inicialmente, as suas declarações críticas ao Mercosul e à China geraram apreensão. No entanto, Milei revisou suas posições ao participar da assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e abrir diálogo com Pequim, demonstrando pragmatismo necessário para garantir a cooperação econômica.
A Venezuela, por outro lado, vive uma das maiores crises humanitárias do planeta. Com uma fronteira de 2,2 mil quilômetros com o Brasil, a relação bilateral é inevitável, mas desafiadora. A crise interna venezuelana, agravada por sanções internacionais e instabilidade política, representa um entrave para a plana integração regional e para o comércio no âmbito do Mercosul.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2023, o comércio exterior brasileiro registrou recordes históricos. As exportações alcançaram US$ 339,67 bilhões, com um saldo comercial positivo de US$ 98,8 bilhões — aumento de 60,6% em relação ao recorde anterior, de 2022. A Argentina destacou-se como um dos principais parceiros comerciais, com aumento de 8,9% nas compras do Brasil, totalizando US$ 16,72 bilhões. Em contrapartida, as importações do país vizinho caíram 8,4%, refletindo as dificuldades econômicas enfrentadas pelo país.
Com a Venezuela, as trocas comerciais caíram drasticamente nos últimos anos. De um pico de US$ 6 bilhões em 2012, o fluxo bilateral recuou para US$ 1,5 bilhão em 2016, segundo dados fornecidos por Arlindo Chinaglia, presidente eleito do Parlasul, que inicia mandato em 2025. "O rompimento diplomático durante o governo Bolsonaro, aliado às crises econômicas e políticas, foi um fator determinante para essa queda acentuada", afirmou Chinaglia.
Mário Scangarelli, presidente da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), apontou que, apesar da relevância histórica da Argentina, as dificuldades internas e a falta de segurança jurídica do país limitam as perspectivas de avanço econômico no curto prazo. "A Argentina já não tem o mesmo papel de protagonismo comercial que exercia no passado. A instabilidade econômica e política afeta diretamente o Mercosul e enfraquece a integração econômica regional", afirmou.
Sobre a Venezuela, Scangarelli reforçou que o país não desempenha papel estratégico para o comércio exterior brasileiro. "A Venezuela não produz nada além de petróleo, e o que compra do Brasil são itens de baixo valor agregado. Isso não representa grandes percentuais na nossa pauta exportadora, embora seja importante manter relações humanitárias e diplomáticas com o país", destacou.
Papel do Brasil
Arlindo Chinaglia reforçou a importância de manter o diálogo com os países vizinhos para garantir a estabilidade regional e a cooperação econômica. "O Brasil desempenhou um papel crucial no apoio à Argentina em momentos críticos, como o envio de gás natural durante a crise energética. Esses gestos reafirmam o nosso compromisso com a integração", destacou.
Quanto à Venezuela, Chinaglia ressaltou que, apesar das dificuldades, as exportações brasileiras de alimentos e produtos químicos continuam sendo fundamentais para o país vizinho. "O Brasil mantém relações com todos os países da Organização das Nações Unidas (ONU), e isso inclui a Venezuela. A nossa missão é fortalecer os laços regionais em prol da estabilidade", frisou o deputado.
Parlasul
Criado em 2005, o Parlasul é o órgão de representação política do Mercosul, reunindo parlamentares de Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Segundo Chinaglia, o Parlasul tem como função principal harmonizar legislações entre os países membros e acompanhar acordos internacionais. "Nossa prioridade será fortalecer setores estratégicos, como o agroalimentar, automotivo, recursos naturais e tecnologia de ponta, para aumentar a competitividade regional", explicou. Ele finalizou dizendo que a estabilidade do Mercosul não depende apenas de acordos comerciais, mas de ações concretas para integrar economias, harmonizar políticas e promover a cidadania.
O deputado argentino Gabriel Fuks, chefe da delegação do país no Parlasul, destacou a relevância do bloco na construção da integração regional. "A hidrovia do Paraná é vital para o comércio regional, mas também é uma rota para o tráfico de drogas. Precisamos de mais ações coordenadas entre os países", enfatizou, mencionando a necessidade de avançar em temas como segurança nas fronteiras.