Estrategista político com mais de 30 anos de experiência, José Vicente Carrasquero é uma referência em ciência política na América Latina. Professor e investigador em instituições, como a Universidade Católica Andrés Bello e a Universidade Simón Bolívar, ele se especializou em opinião pública, métodos de investigação e análise comparativa, combinando teoria e prática para compreender os desafios políticos da região sul-americana.
Em entrevista ao Correio, Carrasquero aborda questões fundamentais para o cenário político latino-americano, como as tensões diplomáticas entre o Brasil e a Venezuela com a posse de Nicolás Maduro. Desde que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bloqueou o convite da Venezuela integrar o grupo de parceiros do Brics — grupo de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — Maduro tem lançado petardos contra o petista e o assessor-chefe da Presidência da República Celso Amorim.
O pesquisador também reflete sobre a ascensão de regimes populistas e autoritários, os impactos sociais e econômicos da crise venezuelana e a influência de líderes, como Maduro e Jair Bolsonaro, explorando as semelhanças e diferenças em suas práticas políticas, a imigração de venezuelanos que devem vir para o Brasil, além de avaliar como instituições fortes podem frear tendências autoritárias. Confira os principais trechos da entrevista.
Qual sua avaliação sobre o estado atual das relações diplomáticas entre o Brasil e a Venezuela, especialmente após os recentes desentendimentos entre os governos Lula e Maduro?
As relações diplomáticas estão bastante tensas, guiadas principalmente pelos entendimentos entre Lula e Maduro. No entanto, nenhum dos dois parece disposto a avançar além do que considera seguro. Um exemplo claro disso foi o caso da casa da embaixada argentina em Caracas, que estava sob os cuidados do Brasil e foi desocupada pela Venezuela. Apesar disso, não houve nenhuma reação enérgica de ambos os lados. Portanto, essas relações permanecem num estado de tensão, sem avanços ou retrocessos significativos.
O senhor esperava um apoio mais forte do presidente Lula à oposição venezuelana, considerando a tradição diplomática do Brasil?
O papel de Lula é simplesmente decepcionante, o papel do Itamaraty é decepcionante. A tradição diplomática do Brasil, reconhecida em toda a América Latina, sempre foi uma fonte de poder para a resolução de problemas na região. Entretanto, nesse caso específico, Lula não reconheceu a vitória da oposição venezuelana, mas também não reconheceu a de Maduro, mesmo sabendo que ele perdeu. Essa neutralidade, na prática, favorece Maduro. O papel de Lula na defesa da democracia demonstra, em minha opinião, pouco comprometimento com os princípios da democracia. Por ser o presidente do país mais importante da América do Sul, Lula deixou a desejar.
Como o senhor analisa a evolução das relações diplomáticas entre a Venezuela e o Brasil nos últimos anos, especialmente à luz das diferenças políticas entre os dois governos?
É surpreendente que as relações diplomáticas tenham se deteriorado, principalmente nos últimos meses, considerando que Maduro e Lula compartilham o mesmo espectro político. Parece que Lula quer impor certos limites democráticos, mas sem ir além disso. Esse comportamento cria uma situação de estagnação, com pouca evolução nas relações bilaterais.
O Brasil vetou recentemente a entrada da Venezuela no grupo Brics, citando violações de confiança relacionadas às eleições de 2024. Como o senhor avalia o impacto dessa decisão nas relações bilaterais e no equilíbrio geopolítico da região?
Maduro via a entrada no Brics como uma oportunidade para promoção política interna, mais do que como um benefício econômico. O veto brasileiro foi uma decisão acertada, pois demonstrou que comportamentos antidemocráticos, como os de Maduro, não podem ser aceitos. Essa decisão também envia uma mensagem de que certas ações terão limites, pelo menos no contexto internacional.
Quais serão as consequências políticas e econômicas para a América do Sul se Maduro permanecer no poder nos próximos anos?
Se Maduro permanecer no poder após um processo eleitoral fraudulento, ele criará um perigoso precedente para outros países da região. Líderes como Gustavo Petro, na Colômbia, e outros governantes podem seguir o mesmo caminho. Ignorar ou minimizar esses atos na Venezuela é um péssimo sinal no século XXI, mostrando falta de compromisso com a defesa da democracia.
Como o senhor analisa o impacto da crise venezuelana na economia brasileira, especialmente nas regiões de fronteira que recebem um grande número de imigrantes?
A crise na Venezuela é grave, mas o que impulsiona os movimentos migratórios é, acima de tudo, a ausência de liberdade. A falta de direitos básicos, oportunidades econômicas e segurança força as pessoas a deixarem o país. Para o Brasil, essa migração em massa exerce grande pressão, especialmente porque essas pessoas chegam sem infraestrutura, sem falar a língua local e, muitas vezes, acabam sendo vistas como um fardo social. De acordo com um estudo realizado pela Universidade Católica Andrés Bello e pela Universidade de Mérian, mais de 700 mil pessoas devem deixar a Venezuela nos primeiros três meses do ano de 2025.
Em sua opinião, quais seriam os benefícios para o Brasil se houvesse uma transição democrática na Venezuela?
Os benefícios são claros. Muitos venezuelanos que hoje vivem no Brasil e em outros países retornariam para casa. Haveria uma regularização das fronteiras e maior cooperação para proteger a Amazônia, que atualmente sofre com grupos irregulares. Além disso, as relações comerciais poderiam ser fortalecidas, promovendo estabilidade econômica e política para ambos os países.
Maduro interferiu ativamente na nomeação de juízes para o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a mais alta Corte do país. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou minar as instituições democráticas, questionando a integridade do processo eleitoral. Hoje ele está sendo acusado, juntamente com outras 37 pessoas, de ter participado de uma tentativa de golpe de Estado. Como você analisa as ações de Bolsonaro? Ele e Maduro agem com o mesmo modus operandi?
A diferença mais importante é que Bolsonaro enfrentou barreiras institucionais no Brasil, como o Judiciário e o Congresso, que limitavam suas ações. As intenções de Bolsonaro, por mais condenáveis que sejam, foram barradas. E ele agora enfrenta a Justiça porque não conseguiu controlar os mecanismos democráticos do país. Na Venezuela, Maduro controla todas as instituições, como o Supremo Tribunal e o Conselho Nacional Eleitoral, nomeando aliados políticos sem qualificação técnica, que garantiu sua reeleição mesmo em meio a evidências de derrota. Essa diferença institucional é o que separa o Brasil da Venezuela.
Tanto Bolsonaro quanto Maduro usaram discursos polarizadores para mobilizar suas bases. Como você analisa o impacto desse tipo de estratégia política na desestabilização das democracias na América Latina?
A polarização política é um problema endêmico na América Latina e no mundo. Vimos isso recentemente no Brasil, temos visto na Colômbia, Estados Unidos, com uma eleição bastante polarizada. No caso de Maduro, sua tentativa de polarização fracassou, já que ele busca culpados em vez de assumir responsabilidades. No Brasil, Bolsonaro também tentou usar a polarização para consolidar sua base, mas sua eficácia dependia do desempenho do governo Lula. Em geral, regimes autoritários aproveitam as falhas dos sistemas políticos para se fortalecerem, como vemos na Bolívia, Nicarágua e Venezuela.
Saiba Mais