O general da reserva Walter Braga Netto foi preso, ontem de manhã, pela Polícia Federal por interferir nas investigações relacionadas ao inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, que visava manter Jair Bolsonaro na Presidência da República, mesmo derrotado na eleição de 2022. A ordem de prisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na terça-feira passada, após endosso da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao requerimento da PF.
Os agentes também fizeram buscas na residência do coronel Flávio Botelho Peregrino, que assessorava o militar no PL e hoje é lotado no gabinete do deputado distrital Thiago Manzoni (PL). Braga Netto passou por audiência de custódia conduzida pelo juiz Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, auxiliar do gabinete de Moraes, antes de ser conduzido à detenção no comando da 1ª Divisão do Exército, na Vila Militar, em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio de Janeiro.
Pela primeira vez na história do Brasil, um general de Exército (quatro estrelas) é levado à cadeia. Braga Netto foi preso no apartamento em que mora, em Copacabana, na Zona Sul da capital fluminense, horas depois de chegar de Alagoas, onde estava de férias com a família.
Segundo Moraes, a necessidade de prender o militar deveu-se, conforme salientou no mandado, porque "os elementos de prova trazidos aos autos pela autoridade policial revelam a efetiva ação dos investigados para obstruir as investigações em curso, mediante obtenção de dados sigilosos em âmbito de acordo de colaboração premiada, cuja descoberta só foi possível em razão da realização de medidas de busca e apreensão anteriormente autorizadas por esta Suprema Corte".
O ministro observa, ainda, que "a Polícia Federal aponta provas robustas de que o investigado para o qual a medida cautelar é requerida concorreu para o processo de planejamento e execução de um golpe de Estado, que não se consumou por circunstâncias alheias às suas vontades, além de ter atuado no sentido de obstruir as investigações em curso, por meio de obtenção ilícita de dados de colaboração premiada".
Contato com Cid
Na solicitação para que Braga Netto fosse preso, os federais mostram que o general da reserva — ex-ministro-chefe da Casa Civil e da Defesa, além de candidato a vice na chapa à reeleição do ex-presidente —, buscava contato com parentes do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, por conta do acordo de delação premiada que fechara.
"Os elementos probatórios indicam (...) que Braga Netto atuou no sentido de obter informações relacionadas ao acordo de colaboração firmado com Mauro Cid. A referida constatação decorre, especialmente, da localização de um documento na sede do Partido Liberal que descreve perguntas e respostas relacionadas ao acordo firmado entre Mauro Cid e a Polícia Federal. (...) O surgimento de novos elementos evidenciam uma relevância ainda mais sólida da atuação do general Braga Netto", salienta a PF, na representação ao STF.
Segundo a corporação, o ex-ministro de Bolsonaro abordou o pai de Mauro Cid, o general da reserva Mauro César Lourena Cid, ainda à época da Operação Lucas 12:2 — sobre a atuação do ex-presidente e de auxiliares para vender, no exterior, parte das joias recebidas de delegações estrangeiras. Braga Netto queria saber se o noticiário sobre o fechamento de um acordo de colaboração de Mauro Cid com a PF era verdadeiro, como noticiava a imprensa. A versão de que tratava-se de mentira circulou entre outros militares envolvidos na trama golpista, como o general Mário Fernandes, que está preso.
Braga Netto e Lourena Cid trocaram mensagens em 7 de agosto de 2023. Foram apagadas no dia seguinte pelo pai do tenente-coronel, mas recuperadas pela PF. O acordo de colaboração de Mauro Cid foi homologado por Moraes em 9 de agosto.
Em 8 de fevereiro passado, ao ser desfechada a Operação Tempus Veritatis, a PF apreendeu um documento na mesa de Flávio Peregrino, na sede do PL, com perguntas e respostas sobre a delação de Mauro Cid. Nesta incursão, cuja intenção era recolher documentos e conectar indícios de um golpe de Estado para manter o ex-presidente no poder, os alvos foram Bolsonaro, ex-assessores, militares e ex-ministros — entre os quais Braga Netto. Somado àquilo que dissera o tenente-coronel em depoimento, os investigadores passaram a considerar ter fartas provas de que o general tentava obter informações sobre os depoimentos do delator.
O tenente-coronel confirmou à PF o envolvimento direto de Braga Netto na elaboração do plano Punhal Verde e Amarelo, pelo qual integrantes das Forças Especiais do Exército impediriam a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin, além da prisão do ministro Moraes, à época presidindo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ataque previa, inclusive, que os três pudessem ser mortos. Depois do eventual sucesso do golpe, seria instituída uma junta militar para manter e "assessorar" Bolsonaro. Do colegiado fariam parte os generais Augusto Heleno, Braga Netto e Mário Fernandes.
Diante do ministro Moraes, na audiência de 21 de novembro passado, Mauro Cid reformulou o que dissera em 11 de março, e colocou Braga Netto no centro da trama. Segundo o delator, o general entregou o dinheiro ao major Rafael de Oliveira, no Palácio do Planalto ou no da Alvorada, para a operação golpista em uma sacola de vinho. Disse, ainda, que a quantia foi arrecadada com o "pessoal do agronegócio".
Confirmação
No último dia 5, Mauro Cid confirmou que Braga Netto tentou obter informações sobre as delações conversando com seu pai. O delegado federal Fabio Shor indaga: "A gente também identificou (...) documentos que evidenciam que o general Braga Netto tentou de alguma forma intervir na investigação, obtendo elementos do acordo de colaboração firmado pelo senhor".
Mauro Cid responde: "Isso aconteceu logo depois da minha soltura, quando eu fiz a colaboração. (...) Fazia contato com meu pai, tentavam ver o que eu tinha, se realmente eu tinha colaborado".
O delator confirma ao delegado que o contato de Braga Netto com Lourena Cid era por telefone "até pela distância de cidades".
"O senhor confirma que ele (Braga Netto) tentou obter informações do acordo de colaboração?", pergunta Shor.
"Isso", confirma o tenente-coronel.
Em 6 de dezembro, Lourena Cid confirmou que Braga Netto entrou em contato no período em que o acordo de delação estava sendo realizado, mas disse não se recordar se trataram do tema. "A hesitação em confirmar o contato, em contradição ao próprio filho e os elementos probatórios identificados, é circunstância que reforça a interferência de Braga Netto sobre o colaborador e seus familiares", salienta a PF.
"Assim, todos os elementos de prova identificados pela investigação demonstram a atuação efetiva do indiciado Braga Netto na coordenação das ações clandestinas", arremata o relatório da PF.