Um relatório do Ministério das Mulheres em parceria com o NetLab, laboratório de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostrou como influenciadores que disseminam conteúdo misógino lucram e atraem mais seguidores com cursos e mentorias sobre “desenvolvimento masculino”.
O relatório Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube foi lançado nesta sexta-feira (13/12) no Ministério em evento com participação da chefe da pasta, a ministra Cida Gonçalves, e da ministra Igualdade Racial, Anielle Franco.
“Daqui está se gerando uma gama de ódio que se espalha por toda a sociedade brasileira”, declarou Cida Gonçalves sobre os vídeos. A ministra aproveitou para reforçar a posição a favor de uma regulamentação das mídias sociais. "Nós precisamos do mínimo de regulamentação para fazer algo concreto", destacou.
A partir de uma busca por termos e expressões misóginas no YouTube, o relatório levantou mais de 76,3 mil vídeos de 7.812 canais, que juntos somam 4,1 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. A maior parte desses conteúdos, 88%, foram publicados nos últimos três anos. A pesquisa levantou dados a partir de 2018.
Entre frases comuns nos conteúdos, estão incentivos à violência psicológica, como “destrua o ego dela” e “com essas dicas você acaba com a autoestima de qualquer mulher”. Também aparecem conteúdos que questionam direitos conquistados pelas mulheres e colocam homens como vítimas da sociedade, como “leis misândricas, homens injustiçados” e “a verdade oculta por trás da Lei Maria da Penha”.
“Estamos tendo um processo de naturalização de algo que não é natural, que é a violência contra as mulheres”, declarou a ministra.
Um fator que chama a atenção das pesquisadoras é como os influenciadores fazem uso da própria imagem para propagar as ideias. “Isso é interessante porque, quando observamos os discursos de ódio no geral, se vê o uso do anonimato, mas isso não aparece nesses casos”, pontua a diretora da equipe, Marie Santini. Um dos fatores apontados para esse uso é a crença na impunidade.
Alunos e seguidores
Outra etapa da pesquisa analisou qualitativamente 137 canais com conteúdos misóginos. Desses, pelo menos 80% usavam alguma ferramenta de monetização. Esses perfis tinham, em média, 152 mil inscritos. Juntos, eles somaram 3,9 bilhões de visualizações.
O estudo mostrou ainda como a propagação dos discursos de ódio pode ser lucrativa para os influenciadores. Além de lucrar com ferramentas de monetização da plataforma, os criadores de conteúdo têm investido em cursos, e-books e mentorias que podem custar até R$ 1 mil.
“Me impacta saber que as pessoas estão ganhando dinheiro com isso”, declarou a ministra Anielle Franco, que destacou a “crueldade dos dados”. Anielle ainda apontou o alcance dos conteúdos. “Quantas vezes a gente (governo federal) não lançou conteúdos nossos e não chegou a essas visualizações”.
A estratégia, como mostrou o estudo, é atrair homens que atribuem a culpa de frustrações, de diferentes âmbitos, às mulheres. “Outro aspecto que chama atenção é a perspectiva conspiratória", aponta a coordenadora da pesquisa, Luciane Belin,. “Cria-se um inimigo oculto, as mulheres que defendem os próprios direitos são o inimigo e eles precisam se defender dessa opressão”.
Belin explica que um dos meios de fazer com que esse público crie um senso de comunidade é o uso de um vocabulário próprio, com termos utilizados para se referir de forma pejorativa às mulheres que circulam dentro do próprio grupo.
Entre as principais vítimas identificadas, aparecem alguns grupos de mulheres como mães solo e mulheres acima de 30 anos.
Falta de dados
Marie Santini, diretora da equipe responsável pela pesquisa, destacou a importância do acesso a dados das plataformas digitais. Segundo a responsável, a falta dessas informações é uma das limitações para as pesquisas no país.
“As plataformas dizem nos seus termos de uso que não permitem esse tipo de conteúdo, mas na prática a gente está vendo que esses conteúdos florescem e que são monetizados”, argumenta. “Tem todo um ecossistema que se auto sustenta e gera lucro não só para os influenciadores como também para a plataforma”.
Segundo a diretora, a disseminação desses conteúdos aponta para um não-funcionamento da auto regulamentação por parte das empresas. Ela ainda pontuou a importância do avanço de temas sobre regulamentação das mídias no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurado, o YouTube afirmou que ainda está analisando o relatório para emitir posicionamento.