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Padre era do 'núcleo jurídico' do golpe, segundo PF

Indiciado pela Polícia Federal, o religioso católico José Eduardo de Oliveira e Silva teria participado de reunião no Planalto sobre a trama antidemocrática

Na lista de 37 indiciados pela Polícia Federal (PF) por planejar um golpe de Estado para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, um nome chamou a atenção. Entre autoridades civis e militares de alta patente que atuaram no governo de Jair Bolsonaro (também indiciado), está o padre católico José Eduardo de Oliveira e Silva, de 43 anos. Ele foi incluído na investigação dos atos golpistas porque participou, em novembro de 2022, de uma reunião, no Palácio do Planalto, segundo apuração da PF. Para os investigadores, o religioso integra o chamado "núcleo jurídico" do golpe.

Sacerdote da Paróquia São Domingo, em Osasco (SP), Oliveira e Silva é bastante ativo nas redes sociais. Ele tem mais de 400 mil seguidores no Instagram e mais de 100 mil no canal que mantém no YouTube.

Doutor em teologia moral pela Universidade da Santa Cruz, em Roma, Oliveira e Silva costuma participar de debates e conferências sobre família e religião, com posições ultraconservadoras sobre aborto e questões de gênero. É, também, um crítico contumaz dos movimentos progressistas, de esquerda. Nos seus canais, vende "cursos" de cunho religioso, com alertas sobre "demônios" e pregação contra a "destruição dos valores da família".

O padre estava na mira da PF havia meses. Em fevereiro, no âmbito da Operação Tempus Veritais, foi alvo de mandados de busca e apreensão, sob a suspeita de usar suas plataformas digitais para difundir notícias falsas.

Agora, foi indiciado por integrar o núcleo que, segundo as investigações, ajudou a preparar decretos e portarias para dar suporte jurídico à anulação das eleições presidenciais e à intervenção do governo Bolsonaro na Justiça Eleitoral. Nesse "grupo jurídico", estão incluídos o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o tenente-coronel Mauro César Cid, o ex-assessor de Bolsonaro na Presidência Filipe Martins e o advogado Amauri Feres Saad.

De acordo com a PF, o padre se encontrou com Martins e com Saad no Palácio do Planalto, poucos dias depois do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Saad é apontado como um dos autores da minuta golpista encontrada na casa de Torres. Martins seria integrante do chamado "gabinete do ódio", estrutura montada no Planalto para difundir informações falsas contra adversários políticos de Bolsonaro.

Defesa

Os registros de entrada e de saída da sede do Poder Executivo corroboraram as suspeitas dos investigadores. A reunião de novembro de 2022 teria como pauta, justamente, as medidas que estavam em estudo para melar o resultado das eleições. Na época, o padre Oliveira e Silva divulgou nota negando qualquer participação em articulações golpistas.

"Abaixo de Deus, em nosso país, está a Constituição Federal. Portanto, não cooperei nem endossei qualquer ato disruptivo da Constituição. Como professor de teologia moral, sempre ensinei que a lei positiva deve ser obedecida pelos fiéis, dentre os quais humildemente me incluo. Estou inteiramente à disposição da Justiça brasileira para qualquer eventual esclarecimento, recordando o dever de toda a sociedade de combater qualquer tipo de intolerância religiosa", declarou.

Não está claro, porém, como o padre se envolveu com a conspiração golpista. O sacerdote voltou a ser ouvido pela PF na semana passada, já na reta final do relatório que foi apresentado na quarta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao padre Oliveira e Silva, o ministro do STF Alexandre de Moraes (que preside o inquérito dos atos antidemocráticos) impôs medidas cautelares, como apreensão do telefone celular, retenção do passaporte e proibição de manter contato com os demais investigados.

A defesa do religioso criticou a divulgação dos nomes dos indiciados pela PF e informou que não teve acesso ao relatório final do inquérito. Em declaração à Agência Brasil, os advogados do padre deram uma pista da linha que devem adotar na defesa do cliente: ele estava apenas cumprindo serviços "espirituais". A decisão judicial de apreensão do celular dele teria violado, segundo os defensores, o sigilo sacerdotal.

"Menos de sete dias depois de dar depoimento à Polícia Federal, meu cliente vê seu nome estampado pela Polícia Federal como um dos indiciados pelos investigadores. Os mesmos investigadores não se furtaram em romper a lei e tratado internacional ao vasculhar conversas e direções espirituais que possuem garantia de sigilo e foram realizadas pelo padre", disse o advogado Miguel Vidigal, que também criticou a divulgação dos nomes dos 37 indiciados.

"Quem deu autorização à Polícia Federal de romper o sigilo das investigações? Até onde se sabe, o ministro Alexandre de Moraes decretou sigilo absoluto. Não há qualquer decisão do magistrado, até o momento, rompendo tal determinação. A nota da Polícia Federal com a lista de indiciados é mais um abuso realizado pelos responsáveis da investigação, e, tendo publicado no site oficial do órgão policial, contamina toda instituição e a torna responsável pela quebra da determinação do ministro. Aguardamos o acesso ao relatório", concluiu.

A defesa fez um pedido formal a Moraes para que o telefone celular do padre fosse devolvido, mas recebeu uma negativa, de acordo com despacho ao qual o Correio teve acesso. "José Eduardo de Oliveira e Silva é investigado por integrar grupo criminoso que almejava desacreditar o processo eleitoral, planejar e executar golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito. Logo, não há qualquer indício de que o investigado esteja tendo limitação ou desrespeito à sua liberdade religiosa, mas, sim, que possa ter praticado diversas condutas criminosas em situações alheias ao seu ofício sacerdotal", argumentou o magistrado.

 

 

 

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