O encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping, na próxima quarta-feira (20/11), representa um aprofundamento ainda maior das relações entre Brasil e China, e pode ser o começo de um maior distanciamento de Brasília em relação a Washington — sobretudo por causa da chegada de Donald Trump à Casa Branca. De acordo com o Palácio do Planalto e o Ministério das Relações Exteriores, a reunião bilateral entre os dois líderes representa uma mudança de patamar que há tempos vem sendo construída pelas diplomacias brasileira e chinesa.
"Nesta visita, haverá a confirmação da elevação do patamar político internacional e a consolidação da confiança política mútua e de convergência entre os dois países sobre um leque variado de assuntos", reconheceu o secretário de Ásia e Pacífico do MRE, embaixador Eduardo Saboia.
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A reunião de Lula com Xi Jinping mobiliza o governo desde maio e é a visita de chefe de Estado mais aguardada. Segundo a diplomacia brasileira, serão assinados acordos nas áreas de finanças, infraestrutura, cadeias produtivas, transformação ecológica e tecnologia. No pacote, estão ainda as rotas de integração sul-americana, projeto brasileiro que visa conectar os países do continente.
Parceria intensa
A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Entre janeiro e outubro de 2024, o fluxo de negócios foi de US$ 136,3 bilhões, sendo US$ 83,4 bilhões em exportações e US$ 52,9 bilhões em importações — um superavit de US$ 30,4 bilhões a favor do Brasil. Os itens brasileiros comprados pela China são principalmente soja, óleos brutos de petróleo e minério de ferro, enquanto os mais importados do país asiático são componentes eletrônicos, veículos e equipamentos de telecomunicação. Desde 2004, quando Lula visitou a China pela primeira vez, o comércio entre os países cresceu mais de 17 vezes.
É a segunda vez que Xi Jinping vem a Brasília. A primeira foi em 2014, quando foi recebido pela então presidente Dilma Rousseff. À época, os países assinaram 15 acordos governamentais e 32 empresariais, incluindo áreas como energias renováveis, automóveis, agronegócio, tecnologia da informação, crédito verde, saúde e infraestrutura. Agora, segundo Saboia, "haverá anúncio de atos bilaterais, memorandos de entendimento nas áreas de agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, finanças, ciência e tecnologia". Ele não adiantou quantos atos serão assinados.
Outro tema importante na agenda é o convite chinês para que o Brasil entre, oficialmente, na Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como a "nova rota da seda" — um megaprojeto de infraestrutura com investimentos de cerca de US$ 1 trilhão em diversos países. Questionado se haverá algum anúncio sobre a adesão do Brasil ao projeto, Saboia disse somente que "não tem nenhum tabu" para que o convite seja debatido. A diplomacia brasileira resiste à formalização da participação brasileira no projeto chinês — daí porque não há pressa pelo Palácio do Planalto para decidir sobre o tema.
Olho nos EUA
O MRE, porém, já analisa os cenários para as relações entre Brasil e China e Brasil e EUA a partir do momento em que Trump suceder Joe Biden na Presidência dos Estados Unidos. Isso porque o futuro ocupante da Casa Branca não esconde que defende políticas mais duras contra Pequim e deve pressionar os países do continente nesse sentido. O republicano já deu indícios de que intensificará esforços contra o globalismo — no primeiro mandato, Trump suspendeu financiamento a organismos multilaterais e o fluxo financeiro para países antes considerados estratégicos — e que elegerá como interlocutores preferenciais países cujos governos se alinham ideologicamente, como a Argentina (leia análise na coluna Nas Entrelinhas, na página 4).
"A relação Brasil-China atravessou vários governos norte-americanos, várias situações internacionais diferentes e só se fortaleceu ao longo desses anos. Temos excelentes relações com os Estados Unidos e é forte o desejo de o Brasil manter relações boas e densas com eles e com a China. O Brasil é um país que conversa com todo mundo, que defende o diálogo, o comércio, que quer ter investimentos para gerar riqueza e desenvolvimento", frisou o embaixador Saboia.
O Palácio do Planalto, porém, busca uma exata medida para essa relação com os chineses. Isso porque Pequim tem investimentos na Venezuela e o governo do ditador Nicolás Maduro várias vezes manifestou que a aproximação com a China é uma forma de restringir e intimidar a presença norte-americana na América do Sul — sobretudo por conta da "anexação" de Essequibo, território que faz parte da Guiana.
Além disso, um canal direto de Pequim com Caracas, nesse momento em que as relações do governo venezuelano com Brasília chegam ao estágio mais baixo, é algo que o Brasil enxerga com profundo incômodo — sobretudo depois que Maduro hostilizou o embaixador aposentado Celso Amorim, atual assessor de Assuntos Internacional da Presidência da República, que era um defensor do diálogo com a ditadura venezuelana.
"Xi é brother", diz Haddad
A comitiva do presidente Xi Jinping fechou o complexo do Royal Tulip, onde ficará hospedada durante a passagem do líder chinês por Brasília. Porém, o único que permanecerá no local é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, hóspede do hotel desde que se mudou para a capital, ainda durante a transição de governo, em 2022.
Questionado pela jornalista Julia Duailibi, da TV Globo, sobre o fato de ter permanecido, Haddad brincou: "Xi é brother". O complexo hoteleiro fica próximo do Palácio da Alvorada, onde Xi Jinping se reunirá com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O líder chinês desembarca na noite de amanhã e parte na quinta-feira.
Na quarta-feira à noite, os presidentes participam de um jantar no Palácio do Itamaraty, do qual participam membros dos governos brasileiro e chinês.
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