FIM DA ESCALA 6X1

Fim da escala 6x1: especialistas falam sobre viabilidade de mudança

Desde que o tema começou a ganhar espaço de discussão, principalmente nas redes sociais, críticos e apoiadores se manifestaram sobre uma possível viabilidade do projeto

Por outro lado, já existem estudos que mostram que a redução da jornada de trabalho aumenta a qualidade de vida e a produtividade dos funcionários. -  (crédito: José Cruz/Agência Brasil)
Por outro lado, já existem estudos que mostram que a redução da jornada de trabalho aumenta a qualidade de vida e a produtividade dos funcionários. - (crédito: José Cruz/Agência Brasil)

A deputada Erika Hilton (PSol-SP) busca assinaturas para apresentar à mesa diretora da Câmara uma PEC formulada pelo movimento social Vida Além do Trabalho (VAT) — liderado pelo vereador Rick Azevedo (PSol). A proposta visa acabar com a jornada 6x1, considerada exaustiva por apoiadores do projeto. Para que a emenda constitucional comece a tramitar, é necessária a assinatura de 171 deputados.

Desde que o tema começou a ganhar espaço de discussão, principalmente nas redes sociais, críticos e apoiadores se manifestaram sobre uma possível viabilidade do projeto. O Correio ouviu especialistas para entender melhor se tal texto pode funcionar no país.

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Mariana Machado Pedroso, sócia responsável pela área trabalhista do Chenut Advogados, aponta ser importante relembrar a lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949, que fala sobre o repouso semanal remunerado. A lei prevê que sejam dadas 24h de descanso seguidas e remuneradas, resultando no trabalho de segunda a sábado — e o descanso no domingo, que é assalariado. “Isso é importante porque, na proposta da emenda constitucional, não tem menção sobre o que vai fazer com isso”, esclarece. “Então, se a gente reduz a jornada de trabalho, eu continuo tendo só um dia de repouso semanal remunerado", pondera.

Mauricio Tanabe, líder da área trabalhista do Campos Mello Advogados e professor da Fundação Getúlio Vargas, informa que a jornada pode ser negociada com o sindicato. "A legislação federal estabeleceu um limite, mas não impediu que as empresas e os determinados setores da economia não pudessem negociar condições próprias de jornada."

"O Brasil já possui um mecanismo próprio para que sejam estabelecidas jornadas alternativas de trabalho, que é justamente a negociação sindical, que foi estabelecida pela constituição federal, por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho", detalha Tanabe. "Ao meu ver, o Brasil não precisa fazer esse ajuste, porque já possui mecanismos próprios para que seja feita esse ajustamento de acordo com o segmento."

O professor diz que a proposta de emenda fala sobre redução de 8 horas da jornada atual, além da distribuição dessa jornada, para que aconteça até, no máximo, quatro dias na semana. Para que as empresas não parem, elas teriam que contratar mais pessoas. "Evidentemente, isso teria um impacto muito grande em mão de obra, porque você teria que gerar mais postos de trabalho, que vai repassar para o custo do produto do serviço. Por fim, a gente vai ver uma pressão maior na inflação."

Tanabe faz um alerta sobre as brechas que contratantes podem encontrar com o fim da escala 6x1: "Historicamente, todos os processos, até mesmo de negociação sindical onde houve a redução da jornada de trabalho, houve um acréscimo de horas extras. Então, no final das contas, temos a certeza que a redução da jornada vai gerar mais hora extra, aumentar o custo e não vai responder aos novos postos de trabalho que são esperados com essa redução de jornada."

Trabalhadores cansados

Mariana comenta sobre o quanto a jornada pode ser exaustiva para os trabalhadores. “Hoje, quando falamos sobre tecnologias de comunicação, o tempo todo conectado, não raro é para que alguma camada grande e expressiva de empregados não necessariamente encerre sua atividade de trabalho quando ela bate o ponto.”

Segundo ela, o projeto é viável para o Brasil. “Inclusive, a gente teve um período experimental com algumas empresas, que adotaram essa jornada de quatros dias na semana de trabalho. Os resultados apontados foram positivos, com aumento efetivo de produtividade”, informa. "Embora contraditório, parece que o empregado, dedicando menos tempo ao trabalho, acaba sendo mais produtivo".

Porém, de forma prática, Mariana diz que essa operação deveria passar por um período de transição, sobretudo pensando nas empresas que têm uma atuação por escalas, e em negócios que não podem parar — em especial, empresas de atividade essencial ou que têm unidades produtivas, que trabalham de segunda a segunda. A redução da jornada de trabalho nunca foi impedida pela lei ou pela Justiça do Trabalho, o que não pode é reduzir o salário.

"Seria uma mudança muito significativa. Acho que hoje, inclusive, a gente não consegue, de forma geral, cobrir todos os impactos que essa mudança pode trazer. A gente tem que lembrar também que uma consequência disso é: se eu tenho uma empregada, que vai trabalhar quatro vezes na semana para um empregador, então posso estar criando uma oportunidade para que esse empregado tenha dois empregos — o que a gente já sabe que acontece."

Segundo Mariana, para garantir que seja possível o descanso proposto pelo projeto, deve-se passar por um caminho mais tortuoso e longo. Ela questiona: "Um empregado médio, hoje, recebe um salário — e a gente pode considerar um salário mínimo — que é suficiente para ele ter uma vida digna? Para ele ter saúde, segurança, lazer, casa, comida? Se não, certamente muitos deles vão optar por mais trabalho, e não descansar."

Mariana também diz que uma forma de garantir o descanso para os trabalhadores é a adoção de medidas de gestão, que resultaria em avanços na qualidade de descanso dos empregados — como a regulação dos meios de comunicação, o não exagero nas horas extras, entre outros fatores.

*Estagiário sob a supervisão de Ronayre Nunes

 

postado em 12/11/2024 20:27
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