O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pode incluir na pauta de amanhã o projeto de lei complementar (PLP) que define regras para a distribuição e execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União, aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados. O aval dos senadores é etapa imprescindível para que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino autorize o desbloqueio desses recursos, parados na conta do Tesouro Nacional há mais de três meses por falta de regras de transparência e rastreabilidade.
Caso o Senado faça alterações no projeto relatado pelo líder do União Brasil, deputado federal Elmar Nascimento (BA), o texto — que, em tese, pretende acabar com o chamado Orçamento Secreto — voltará para a Câmara, o que pode atrasar ainda mais a liberação dos recursos. A área econômica do governo aguarda uma definição sobre a polêmica das emendas para destravar a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, parada na Comissão Mista de Orçamento. Mas a possibilidade de mudanças no plenário da Casa existe.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), levantou algumas questões que, no entendimento do governo, deveriam ser modificadas para que o texto não corra o risco de ser considerado, novamente, inconstitucional pelo Supremo. Entre elas, a alteração do artigo que permite ao governo contingenciar verbas das emendas parlamentares para adequar o Orçamento aos limites do novo marco fiscal.
O governo quer que a lei também permita o bloqueio do dinheiro, e não apenas uma retenção temporária, como no caso de contingenciamento. Após conversar com Rodrigo Pacheco, Randolfe confirmou que o PLP vai ao plenário amanhã. "Vamos votar", garantiu ele.
Apesar da pressa, Pacheco ainda não designou um relator para avaliar o texto da Câmara, o que pode ser feito até mesmo em plenário, antes da votação. Na sexta-feira passada, o presidente do Senado teve que deixar Brasília às pressas — nem participou do encerramento do encontro de Parlamentos do G20 — por causa da morte do pai dele, Hélio Cota Pacheco, 81 anos, em Belo Horizonte.
No Judiciário
Tema prioritário entre os três Poderes, o projeto das emendas parlamentares, aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, pode esbarrar novamente no Judiciário. Isso porque, na avaliação de especialistas, o texto possui lacunas sobre as divisões políticas dos recursos e, ao tirar o controle de uma parte considerável da execução do Orçamento, pode invadir a competência do Executivo — responsável por fazer a política pública dos repasses.
As emendas são indicações de gastos que deputados e senadores fazem no Orçamento do governo para obras e projetos nos estados que os elegeram. Dino também é relator da ação que trata do Orçamento Secreto — que é como ficaram conhecidas as emendas parlamentares em que a distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento. Nos bastidores, a expectativa é que o processo seja questionado na Corte apenas depois da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Faltam poucas semanas para o recesso parlamentar e há uma necessidade política de retomar essa circulação de recursos orçamentários, por isso, a resposta do Senado não será muito diferente daquela que a Câmara já aprovou", avalia o doutor em ciência política Leandro Gabiati, da Dominium Consultoria Política e Governamental.
Segundo Gabiati, o projeto deve ser aprovado basicamente como está, sem muitas mudanças. "Obviamente, o Senado pode fazer algum tipo de discussão, mas essa é uma questão corporativa que tem a ver com a retomada dos recursos orçamentários", complementa o analista. Se houver alterações, ele acredita que serão "específicas, que a Câmara poderá resolver de forma rápida, mas não haverá uma rediscussão do texto", ressaltou.
O diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCEE), Luciano Caparroz dos Santos, acredita que o projeto da Câmara não atende às exigências do Judiciário e pode invadir a competência do Executivo. "Isso traz uma distorção muito grande, inclusive, provocando um conflito na questão da tripartição dos Poderes. O Congresso está exercendo um poder que é exclusividade do Executivo", disse ao Correio.
Segundo ele, a proposta carece de uma discussão mais ampla. "Esse é um debate que precisa ser feito. Não adianta fazer a aprovação de um projeto de lei com essa rapidez simplesmente para dizer que está atendendo aos interesses e exigências do Supremo, mas também tem que atender aos interesses da sociedade, que exige a transparência e a possibilidade de acompanhar todos esses gastos", aponta.
A matéria aprovada na Câmara também foi criticado por entidades como a Transparência Brasil, a Transparência Internacional e a Associação Contas Abertas, que soltaram uma nota conjunta criticando pontos do projeto. Para as ONGs, o texto "contém falhas e omissões graves", e a tramitação, na Câmara, "não possibilitou qualquer debate sobre as medidas necessárias para reduzir os riscos de corrupção — já amplamente evidenciados em escândalos por todo o país — na destinação de mais de R$ 50 bilhões do Orçamento federal".
Para as entidades, o PLP mantém, para as chamadas emendas coletivas — de bancada (indicadas pelos parlamentares de uma mesma unidade da Federação) e de comissão (indicadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado) — a falta de transparência, ao não exigir a identificação do autor da proposta, encaminhada como uma contribuição coletiva.
No caso das emendas Pix (individuais, com recursos depositados diretamente na conta das prefeituras), "persistem muitos dos mesmos problemas com a regulamentação proposta". "Não há obrigação para que o ente beneficiado pela emenda Pix aplique o recurso recebido no objeto indicado pelo parlamentar ao apresentar a emenda, ou seja, mantém-se a lógica de extrema liberdade no uso do dinheiro público, o que é incompatível com a Constituição Federal", argumentam as ONGs, na carta aberta.
Lideranças ouvidas pelo Correio acreditam que esse tema só será resolvido no fim do mês e, mesmo assim, ainda há a possibilidade de que alguns pontos do projeto de lei complementar sejam questionados novamente pelo Supremo, caso não atendam aos preceitos constitucionais de transparência. Nesse caso, a estratégia é tentar liberar a parte das emendas que estiver em conformidade constitucional e rediscutir o que, porventura, ainda não se enquadrar nas exigências do STF.
Consequências
A decisão de Dino incomodou os deputados que acusam a Corte de interferir na competência do Legislativo. Em contrapartida, o tribunal alega que há uma série de violações no pagamento das emendas parlamentares. Na ordem do ministro, os valores só poderão ser liberados após os parlamentares inserirem na plataforma do governo informações referentes às transferências, como plano de trabalho, a estimativa de recursos para a execução e o prazo da execução, bem como a classificação orçamentária da despesa.
O cientista Fabio Andrade, professor do curso de relações internacionais da ESPM, avalia que o texto da Câmara é genérico e que necessita de detalhamentos sobre a fiscalização e destinação do montante. "O grau de generalidade com o que a Câmara dos Deputados redigiu esse documento deixa muito claro que a Casa apostou em dar uma resposta formal e incompleta de forma proposital ao STF", disse.
Para Andrade, há uma disputa entre os Poderes. "O que a gente vê é uma resposta que tem que ser lida como mais um capítulo na disputa de poder que está instalado entre STF, Executivo e Legislativo pelo Orçamento. Como o Orçamento é a grande política pública brasileira, o Legislativo, uma vez tendo conquistado espaço, usa de todos os meios para não abrir mão dele", completa.
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