O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma aposta alta ao anunciar publicamente seu apoio à candidata democrata a presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e apontar o ex-presidente Donald Trump como uma ameaça à democracia. Esse posicionamento foge à tradição diplomática brasileira de manter distância regulamentar das disputas de poder de outros países, mas não é a primeira vez que Lula fez isso. Fez aposta semelhante nas eleições da Argentina, onde apoiou o peronista Sergio Massa. Perdeu: foi eleito o ultraliberal Javier Milei.
Embora a crise com a Venezuela tenha aproximado as duas chancelarias, o Itamaraty agora corre atrás do prejuízo. A Argentina é o nosso terceiro parceiro comercial, o segundo da nossa indústria. Os Estados Unidos são o segundo mercado, sendo o primeiro para nossas exportações de manufaturados. Como na Argentina, as declarações de Lula em relação às eleições norte-americanas não influenciarão o resultado da eleição, mas podem criar facilidades ou dificuldades adicionais no relacionamento diplomático com os Estados Unidos, dependendo de quem ganhar. São dois cenários distintos.
Primeiro a dama, como se dizia antigamente. Kamala Harris tem compromissos com a questão ambiental, defende a redução de emissões de carbono e a transição energética para a chamada economia verde. Isso pode significar um aumento das pressões internacionais para preservação da Amazônia e outros biomas e, também, um fluxo maior de investimentos e mais cooperação na questão ambiental.
Outro ponto de convergência importante com Lula é a questão dos direitos humanos e as agendas relacionadas a igualdade de gêneros, proteção de minorias e direitos trabalhistas. Também há convergência quanto ao crescimento econômico e à responsabilidade social e ambiental das empresas norte-americanas. A agenda em relação à regulamentação das novas formas de trabalho e das redes sociais também pode impactar positivamente as relações com os EUA.
Harris pode incentivar a cooperação em saúde e desenvolvimento tecnológico. Pandemias, inovação em saúde pública e segurança digital são pontos importantes de contato, em benefício das pesquisas e da inovação. O desenvolvimento sustentável e o fortalecimento democrático aproximam Kamala e Lula, mas o Brasil precisará fortalecer seu compromisso com a democracia para estabelecer uma parceria firme e duradoura com a democrata.
Aliado de Bolsonaro
Os Estados Unidos veem a política externa brasileira de forma muito pragmática, porque existe uma tradição diplomática bastante conhecida, do Itamaraty, que administra os altos e baixos das relações com as grandes potências mundiais. Entretanto, a eventual eleição de Donald Trump pode impactar negativamente as relações entre o Brasil e os EUA.
Trump prioriza o protecionismo tributário, para proteger a economia e recuperar a indústria norte-americana, o que em alguns casos não tem a menor chance de dar certo. Quando era presidente, criou dificuldades para a importação do aço e do alumínio brasileiros, o que prejudicou nossas exportações. Isso pode correr novamente.
Quem mais ganharia no Brasil com a eleição de Trump é o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem o presidente dos EUA tem muita afinidade ideológica. Os partidários e seguidores do ex-presidente brasileiro ganhariam novo ânimo para tentar derrubar a inelegibilidade de Bolsonaro no Congresso.
Não esperem de Trump qualquer ajuda à preservação da Amazônia e transição energética, caso seja o vencedor. O ex-presidente norte-americano é assumido negacionista. No seu governo, os EUA saíram do Acordo de Paris. Haveria redução das pressões internacionais quanto à preservação da Amazônia, mas o preço disso seria a redução de investimentos e financiamentos em transição energética e controle ambiental.
As Forças Armadas brasileiras teriam muita dificuldade para desenvolver seus programas de modernização, porque a eleição de Trump representaria um recrudescimento das preocupações com a segurança e embargos a acordos comerciais com transferência tecnológica, em áreas como telecomunicações e segurança digital. O programa espacial brasileiro e a construção do submarino nuclear da Marinha brasileira enfrentariam mais dificuldades.
Lula governa num ambiente internacional muito diferente do que havia quando se elegeu. A vitória de Trump tornaria o ambiente externo ainda mais difícil para o governo brasileiro. Entretanto, a oposição ficaria como “pinto no lixo”, como diria José Bispo Clementino de Souza, o Jamelão, grande intérprete samba-enredo da escola de samba Mangueira e de Lupicínio Rodrigues.