A 16ª Cúpula do Brics começa hoje em Kazan, Rússia, sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele cancelou a viagem por recomendação médica após sofrer um acidente doméstico. O chefe do Executivo indicou o chanceler Mauro Vieira como seu representante no evento, que ocorre até quinta-feira. O petista deve discursar por videoconferência na cerimônia de abertura.
A reunião de chefes de Estado trata de um tema sensível para o Brasil: os critérios para entrada dos chamados países parceiros no bloco, com menos privilégios do que os membros plenos.
A lista de interessados inclui Venezuela e Nicarágua, dois países que protagonizaram embates diplomáticos com o governo Lula. A expectativa é que o Brasil eventualmente vete a entrada das duas nações, mas a cúpula desta semana definirá apenas o conjunto de regras para os novos parceiros, sem tratar — publicamente — do mérito dos candidatos. Afinal, a depender dos critérios aprovados pelo bloco, os governos de Nicolás Maduro e Daniel Ortega podem deixar de ser parceiros viáveis. Portanto, a Cúpula ocorre com tensão entre os membros sobre o novo movimento de expansão.
Vieira desembarcou ontem em Kazan e minimizou a ausência de Lula no evento. "A participação do Brasil é sempre igual", declarou a jornalistas na cidade russa. "Os Brics, com expansão, são um tema de informação, e os chefes de Estado vão discutir todos os temas da agenda, que são os novos parceiros, as modalidades, o tempo", acrescentou.
Questionado sobre a possibilidade de a Venezuela entrar no bloco, respondeu que todos interessados terão chance de integrar o Brics, depois de definidos os critérios para os países parceiros.
Vieira afirmou ainda que manterá encontros bilaterais com os chanceleres de, pelo menos, Rússia, África do Sul e Egito, mas outras reuniões estão sendo negociadas.
Ele negou que os chefes de Estado abordarão a guerra entre Rússia — anfitrião e presidente temporário do grupo — e Ucrânia durante a Cúpula. "O assunto aqui é Brics", enfatizou.
Apesar de distante, Lula mantém contato telefônico com o chanceler e o orienta durante a reunião do bloco.
Fontes do Itamaraty ouvidas pelo Correio negaram que o Brasil vá resistir à entrada da Venezuela, Nicarágua ou outras nações no bloco durante o encontro do Brics. Segundo elas, o momento é de apenas definir os critérios, e não há ainda discussão sobre quais outros países poderão ingressar como parceiros.
Critérios
Um dos critérios defendidos pelo governo brasileiro é a demonstração de compromisso com a reforma da governança global, incluindo o Conselho de Segurança das Nações Unidas e órgãos financeiros, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Porém, a sinalização do Planalto é de que Lula vete, no futuro, esses dois países. A relação entre Brasil e Venezuela azedou após Maduro desrespeitar os Acordos de Barbados, que previa a realização de eleições livres em julho. Ao contrário, o regime chavista endureceu a repressão e perseguiu opositores.
Já com a Nicarágua, a tensão ocorreu após o governo de Ortega expulsar a embaixadora brasileira, após ela não compareceu a um evento oficial por orientação do Itamaraty. Lula tentou negociar com Ortega a redução da perseguição a católicos no país, o que foi rechaçado.
A entrada da Venezuela no bloco tem forte apoio da Rússia, da China e do Irã. O governo de Maduro fez um forte lobby, colocando sua produção de petróleo como moeda de troca. O Brasil é historicamente resistente à expansão do Brics, mas também se preocupa em evitar que o bloco adote um viés antiocidental - algo que se fortaleceria com a entrada dos regimes de Ortega e Maduro.
Para o professor do Instituto de Relações Internacional da UnB Roberto Goulart Menezes, não é possível saber exatamente o que está sendo negociado a portas fechadas pelos membros do Brics. No entanto, o cenário atual indica que o Brasil não aceitará facilmente a entrada da Venezuela e da Nicarágua.
"É uma situação em que o presidente Lula está em um aperto, que coloca o Brasil em uma posição defensiva. E o Brasil vai votar contra a entrada da Nicarágua e da Venezuela. O problema é que, no Brics, as decisões são tomadas por consenso. Até este momento, não se tinha colocado algo do tipo. O Brics não estava esperando lidar com uma situação como essa", explicou o professor. (VC)
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