Depois de 48h de uma tempestade que caiu sobre São Paulo, aproximadamente 300 mil imóveis continuam sem luz, a empresa responsável pelo fornecimento de energia não dá uma previsão de quando a situação se normalizará e Prefeitura e governo federal não apenas se acusam mutuamente, como prometem a moralização tardia da situação, anunciam reforço na fiscalização e propõem novas punições — que se somarão àquelas aplicadas anteriormente. Além disso, a disputa eleitoral que opõe um candidato apoiado pelo Palácio do Planalto contra outro respaldado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro potencializa o "jogo de empurra" sobre de quem é a culpa do apagão.
A falha da Enel no fornecimento de energia na capital paulista é o terceiro de grandes proporções, em um espaço de aproximadamente 12 meses. O primeiro ocorreu em novembro de 2023, quando a cidade ficou às escuras entre os dias 3 e 9. À época, 24h depois das violentas chuvas que caíram no estado, apenas 60% do abastecimento de energia tinha sido regularizado — o religamento dos 40% restantes foi nos dias seguintes.
Em março passado, moradores da região central de São Paulo ficaram sem luz por mais de 30 horas. Em abril, o Ministério de Minas e Energia solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a abertura de um processo administrativo para apurar as falhas no atendimento da concessionária.
Alerta
O contrato de fornecimento de energia pela Enel para a Região Metropolitana paulistana tem vigência até 2028 e foi firmado com a União. Em caso de má prestação de serviço, o acerto entre as partes prevê multas, intervenção na concessão e, sobretudo, o encerramento do acordo. A situação da empresa, porém, tinha sido motivo de alerta junto à Aneel.
Isso porque, logo depois do apagão de novembro do ano passado, uma nota técnica do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) identificou "graves falhas" na gestão da Enel. O documento encaminhado à Aneel chamava a atenção para o descumprimento de metas de investimento, cuja consequência era a baixa qualidade do atendimento (veja quadro ao lado).
As autoridades, porém, culpam-se umas às outras sobre o novo apagão. Depois da falha no ano passado, a Prefeitura de São Paulo chegou a discutir a possibilidade de aterrar os cabos de energia, algo que envolveria outros fornecedores de serviços — como internet, combustíveis, telefonia, gás e transportes. A Enel e a administração do município reconheceram que tratava-se de uma obra de grande porte, que incluiria outros concessionários, e o projeto não foi adiante.
O prefeito Ricardo Nunes culpou o governo federal pela concessão da Enel. Em vídeo publicado nas redes sociais, no domingo, afirmou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha "falando que vai renovar o contrato" com a empresa. O candidato do MDB à reeleição ainda acusou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), de ser "irresponsável".
"Estou pedindo, desde o ano passado, para cancelar esse contrato com a Enel. Depende do governo federal, do ministro irresponsável de Minas e Energia, que não fez nada. Depende da Agência Nacional de Energia Elétrica, que é do governo federal — também (não fez) nada. E o governo federal ultimamente falando que vai renovar o contrato com essa empresa. Não queremos, é uma irresponsabilidade", acusou Nunes.
Ontem, o ministro rebateu o prefeito. "Nos indigna quando as pessoas irresponsavelmente usam as redes sociais para fazer fake news. O prefeito de São Paulo aprendeu rápido com seu concorrente Pablo Marçal, dizendo que estávamos tratando da renovação da distribuição. O contrato da Enel vence em 2028. Tem até 2026 para se manifestar sobre a renovação", devolveu Silveira.
O ministro criticou a falta de previsão da empresa para o restabelecimento de energia — que "beirou a burrice". "Quando disse que não tinha previsão de entrega dos serviços à população, disse que ela cometeu um grave erro de comunicação, um grave erro de seu compromisso contratual com a sociedade de São Paulo de não dar uma previsão objetiva. Tem os próximos três dias para resolver os problemas de maior volume", intimou. Silveira anunciou que uma força-tarefa composta por outras concessionárias que auxiliará a Enel a retomar o fornecimento.
"Ações enérgicas"
Já o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, apontou a possibilidade de "negligência por parte dos governos locais" pelo apagão. Disse que o presidente Lula ordenou "ações enérgicas", sobretudo em relação à fiscalização da Aneel — como confirmou o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinicius Marques de Carvalho.
"É inadmissível que uma situação como essa aconteça, ainda mais duas vezes. Tinha acontecido em novembro do ano passado e aconteceu agora, novamente, sem que as medidas emergenciais tenham sido adotadas na velocidade necessária. [A auditoria na Aneel será] desde o que aconteceu no ano passado, em relação às medidas que deveriam ter sido adotadas e não foram, até o que vai acontecer daqui para frente, para que as mesmas falhas não se configurem", frisou Carvalho.
"A Enel é reincidente. Por conta dos episódios anteriores, abrimos processos administrativos e foi condenada à multa de R$ 13 milhões. A Enel está recorrendo. Estamos também exigindo que nos apresente um diagnóstico. Não aceitamos a afirmação de que não tem prazo", salientou o secretário da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Wadih Damous, acrescentando que a Prefeitura de São Paulo também será notificada a explicar se as podas das árvores são feitas regularmente.
Por sua vez, o advogado-geral da União, Jorge Messias, disse que está sendo pensada uma ação de dano moral coletivo pelos prejuízos causados pela falta de resposta da Enel ao apagão.
A Aneel emitiu nota na qual rejeita insinuações de que não é firme na fiscalização das concessionárias. "A Aneel reafirma que seu papel de regulador e fiscalizador é garantir que os consumidores brasileiros tenham acesso a um serviço de energia elétrica de qualidade, contínuo e seguro, e que qualquer tentativa de intervenção ou tutela indevida na atuação da Agência não contribui para a verdadeira solução do problema. A Agência seguirá atuando de forma isenta e autônoma em prol do interesse público", observa.
Na Câmara dos Deputados, o vice-líder do governo, Alencar Santana (PT-SP), protocolou dois requerimentos. Um propõe a criação de uma comissão externa e, outro, de uma subcomissão na Comissão de Fiscalização e Controle para investigar a Enel.
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