O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, nesta quarta-feira, 9, poupar os generais do setor responsável pela fiscalização de armas de fogo nas mãos de civis. A decisão foi tomada mesmo após auditoria do tribunal detectar descontrole no serviço e um descumprimento reiterado de determinações da própria Corte de Contas, proferidas ao longo dos últimos sete anos, para aprimoramento das vistorias.
O relator do caso, ministro Marcos Bemquerer Costa, descartou a proposta de apuração de responsabilidades dos generais por entender que o tempo decorrido desde as primeiras determinações, em 2017, "dilui as responsabilidades" em virtude da "sucessão de comandos ao longo desse período". Exército não se manifestou.
A área técnica do tribunal havia sugerido a colheita de depoimentos do atual e dos últimos quatro generais do Comando Logístico do Exército para que eles explicassem o "não cumprimento integral das determinações de criar sistema informatizado para a gestão de todos os processos de trabalho relativos à fiscalização de produtos controlados pelo Exército".
O relator também pontuou que um "prazo peremptório" para o cumprimento de determinações do tribunal foi estabelecido ao Comando do Exército em uma outra decisão do TCU. Em maio, os ministros da Corte de Contas decidiram definir o prazo de um ano para que os militares finalmente implementem um sistema eletrônico para as ações de fiscalização, o que ainda hoje não acontece.
Dados e documentos gerados em ações de fiscalização ainda ficam armazenadas em meio físico. A auditoria do TCU apontou que esse cenário já fez com que o Exército fosse "incapaz de fornecer informações confiáveis a respeito da quantidade de vistorias/fiscalizações realizadas". Também assinalou que a "lacuna informacional prejudica não apenas a transparência da política pública sob responsabilidade do Comando do Exército, mas também a tomada de decisões gerenciais baseadas em dados".
"A conduta omissiva adotada no âmbito do Comando Logístico do Exército é irregular/ilegal. Não se trata de mero descumprimento de prazo, decorrente de dificuldades supervenientes, o órgão não demonstrou que tenham sido adotadas quaisquer medidas para instituir processo eletrônico para as atividades de fiscalização", diz o relatório da área técnica submetido ao plenário.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) facilitou, com portarias e decretos, a liberação de registros de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores de armas) concedidos pelo Exército. Entretanto, os militares não reforçaram ações de fiscalização, que também cabe à Força. Os CACs se converteram no maior grupo armado do País, maior inclusive que as polícias, e em uma importante base de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dados de julho indicavam um total de 1.867.558 registros de CACs - cada pessoa pode ser, ao mesmo tempo, atirador, caçador e colecionador.
A facilitação de novas autorizações para os atiradores atraíram o interesse do crime organizado. A Polícia Federal prendeu, em uma série de operações, falsos CACs que eram usados por organizações criminosas para comprar pistolas e fuzis legalmente. Em seguida, as armas eram entregues aos criminosos. O fenômeno permitiu até que facções reduzissem custos na compra de material bélico. Em vez de recorrer a mercados ilegais no exterior, passaram a usar os laranjas no mercado legal brasileiro.
Exército foi proativo para liberar CACs, mas relutante ao fiscalizar
O relatório da auditoria do TCU que recomendava o depoimento dos generais para verificação de responsabilidades também destacou que o Exército adotou posturas distintas em duas frentes complementares de atuação: ao se preparar para atender o volume de pedidos de registros de CAC e ao não se estruturar para dar conta da fiscalização dos novos atiradores.
A versão apresentada pelo Exército foi a de que "as diversas alterações regulamentares e decisões do Poder Judiciário teriam impactado o andamento dos trabalhos" de implantação do sistema informatizado. Entretanto, a auditoria ressaltou que os militares não fizeram nenhum estudo ou análise de impacto nos próprios processos internos na época em que as novas regras foram criadas pelo governo Bolsonaro."
"À época dos fatos sob análise, o Comando Logístico não tomou a iniciativa de elaborar documento relatando formalmente as dificuldades decorrentes das alterações normativas promovidas pelo Poder Executivo a partir de 2019, o que possibilitaria o encaminhamento da informação aos seus superiores e a apresentação de demanda por mais recursos humanos e financeiros", destacou o documento.
O Exército foi procurado pela reportagem para comentar a decisão do TCU desta quarta-feira, mas ainda não havia se manifestado até a publicação deste texto.
Em março, quando questionado sobre outro relatório técnico do tribunal, a Força respondeu que não se manifesta sobre apurações de outros órgãos, mas que respeita todas as imposições e que pauta a sua atuação na legalidade e na transparência.
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