clima extremo

Congresso reluta em subir pena para crime ambiental

Pacheco rechaça "soluções milagrosas" e Lira afirma que lei atual é "rígida". Governo federal libera R$ 514 milhões para combater queimadas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu, ontem, no Palácio do Planalto, representantes dos Três Poderes para debater medidas de enfrentamento às queimadas que vêm devastando uma boa parte do território brasileiro. Uma das principais propostas do encontro era a possibilidade de deixar mais rigorosa a lei sobre crimes ambientais, tese que já foi defendida pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, e endossada pelo Judiciário. O Legislativo, no entanto, reluta em aceitar a proposta.

O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) se manifestou contrariamente a "soluções aparentemente milagrosas". Segundo ele, é preciso impedir que se recorra ao "populismo legislativo" na busca de soluções contra as queimadas.

"Quando há crises, é natural que haja voluntarismo, no âmbito do Legislativo, de busca por soluções aparentemente milagrosas, como um aumento excessivo da combinação de penas, a inclusão desse tipo de crime como crime hediondo. Temos que conter e buscar um equilíbrio na formatação da lei, sob pena de descambarmos a um populismo legislativo que não solucionará o problema e vai acabar afetando a Justiça penal brasileira com medidas que sejam desproporcionais", argumentou.

Pacheco, porém, não desconsiderou a revisão e aprimoramento da Lei 9.605/98, que diz respeito aos crimes cometidos contra a fauna e a flora. "Reputamos que o problema, neste instante, não é legislativo, nem uma fragilidade de combinações de penas porque tipos penais há, penas combinadas há", acrescentou.

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), endossou a posição de Pacheco. Afirmou que a legislação contra os crimes ambientais é "a mais rígida, dura e forte que existe no mundo". "A gente tem tentado votar matérias que fortaleçam essa questão ambiental, inclusive, com muita ênfase nos últimos anos", frisou.

Na semana passada, dois projetos no Senado trataram sobre o agravamento das penalidades para quem cometer crimes ambientais. Um, de autoria do senador Jader Barbalho (MDB-PA), propõe classificar incêndios em áreas rurais como crime hediondo. O outro, do senador Humberto Costa (PT-PE), prevê o aumento das penas para incêndios cometidos por grupos.

Discordância

As posições de Pacheco e Lira foram rebatidas pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin.

"Há dois pontos fora do alcance do Judiciário, são mais do Legislativo. Temos crimes ambientais, como queimadas, desmatamento, extração ilegal de madeira, mineração ilegal. Só que têm penas muito pequenas e acabam não tendo efeito. Precisamos também criar uma vedação para a regularização fundiária de áreas que foram queimadas para ter certeza de que não foram queimadas para, depois, conseguir a regularização", propôs Barroso.

"Se os meios jurídicos que temos fossem realmente efetivos, não estaríamos enfrentando a crise na dimensão que estamos. Sabemos que tem, às vezes, mais efeito no crime quando afeta o bolso, do que pagar uma fiança de R$ 30. Aproveitando que temos aqui os presidentes das duas Casas Legislativas, e ambos têm conhecimento profundo da matéria, é importante ressaltarmos que nos termos da legislação atual, o governo federal está operando no limbo, porque as competências do governo federal foram muito reduzidas pela Lei Suplementar 140", enfatizou Benjamin.

De acordo com o presidente do STJ, a norma de 2011 entregou a responsabilidade de combater crimes ambientais para a unidade da Federação e para o município. De acordo com a lei, o governo federal ficaria responsável por conter os delitos somente nas áreas da União.

Já o ministro Rui Costa, da Casa Civil, salientou que o aumento da pena para crimes ambientais está sendo considerado pelo Executivo. "Estamos discutindo com a Advocacia-Geral da União (AGU) uma atualização da lei, porque, hoje, o incêndio normal é de três a seis anos, mas o de crime ambiental é de dois a quatro anos", comparou.

Lula admite despreparo

Lula admitiu que o país não estava preparado para enfrentar as queimadas que vive atualmente. "O dado concreto é que, hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas [crise climática e incêndios ambientais]. Até 90% das cidades não estão preparadas para cuidar disso. São poucos os estados os que têm preparação, que tem Defesa Civil, Bombeiro e brigadistas. Quase ninguém tem", lamentou.

Por conta desse despreparo admitido pelo presidente, o governo anunciou R$ 514 milhões em crédito extraordinário para combater incêndios — nas últimas 48 horas, são mais de 4,1 mil casos, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Lula deve assinar uma medida provisória (MP) para abrir crédito extraordinário para os ministérios e autarquias continuarem os trabalhos de combate aos incêndios, de investigação das ações criminosas e de atendimento à população afetada. os recursos serão aplicados na aquisição de equipamentos especializados de combate ao fogo e, também, novas viaturas e aeronaves para conter as chamas.

Militares

As Forças Armadas também seguirão apoiando as atividades de combate aos incêndios e, também, à estiagem na Amazônia legal. Na reunião, Lula sugeriu que os novos militares recebam treinamento para lidar com os focos de fogo, pois "o Brasil não tem guerra".

Além disso, o presidente baixará uma medida pela qual abre caminho para a reestruturação, em 60 dias, da Defesa Civil, a fim de fortalecê-la enfrentar eventos climáticos extremos. Há a previsão, também, de uma MP para flexibilizar as regras de contratação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dando maior agilidade à aplicação dos recursos da instituição. A norma deve ser encaminhada ao Congresso Nacional nos próximos dias.

Já o Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome vai adquirir 300 mil cestas e 7 mil toneladas de alimentos para doar às famílias mais afetadas pela estiagem e pelas queimadas na Região Norte.

 

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