A Câmara e o Senado começam mais uma semana de esforço concentrado para chegar a um acordo sobre as emendas parlamentares. O impasse se arrasta desde meados de agosto, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino decidiu pela suspensão de todas as emendas impositivas apresentadas por deputados federais e senadores, o que aumentou a tensão entre os Três Poderes. A suspensão, posteriormente, foi mantida por unanimidade entre os ministros da Suprema Corte e permanecerá assim até que sejam estabelecidos novos procedimentos para que a liberação de recursos siga protocolos bem definidos de transparência, rastreabilidade e eficiência segundo a decisão.
Ao Correio, o relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 (PLN 26/24), senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que a solução para as emendas é prioridade nesta semana. Ele contou que apresentou aos senadores uma proposta de reformulação das emendas de comissão. "As emendas impositivas individuais, emendas de bancada, tudo isso é sagrado, já é lei. Vamos ver agora esta questão das emendas de comissão, que são as emendas que estão causando o maior problema", disse.
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A ideia, que, segundo ele, ainda está "em fase embrionária", é destinar metade da verba às emendas "RP2", que ficam no caixa dos ministérios e recebem indicações de parlamentares. A outra metade ficaria a cargo do governo para obras estruturantes, como o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Seria um meio termo, em que o governo poderia ficar com 50% das emendas de comissão, para serem destinadas a obras estruturantes indicadas pelos parlamentares, e a outra metade ficaria na emenda chamada de RP2, em que o governo vai pagar de acordo com a indicação do parlamento", explicou Angelo Coronel.
Recentemente, o relator da PLOA chegou a desafiar o STF com a suspensão das emendas impositivas individuais, apelidadas de "emendas Pix", ao garantir a continuidade delas no orçamento. Segundo ele, essa proposição para as emendas de comissão ainda deve ser debatida com os deputados. "Já existe uma rastreabilidade, uma transparência, mas se o Supremo acha que tem de melhorar, vamos melhorar e atender a medida judicial", afirmou o senador.
De execução obrigatória, essas emendas permitem a destinação de verba pública por meio de transferência direta, sem precisar de autorização do Poder Executivo, possibilitando liberdade na escolha do destino e dos critérios para o uso dos recursos. A ausência de informações básicas como essas impede que órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), atuem para garantir que a verba pública seja aplicada de forma adequada para a população. Essa é a situação que o STF pretende reverter para possibilitar maior rastreabilidade e transparência.
Orçamento secreto
Em relatório encaminhado ao Supremo Tribunal Federal na última terça-feira, a CGU concluiu que as emendas de comissão da Câmara e do Senado repetem o modelo do orçamento secreto com falta de transparência e de controle dos gastos.
Classificados pela sigla "RP8", estes recursos correspondem a R$ 15,4 bilhões do Orçamento neste ano e a forma como vêm sendo utilizados, segundo o relatório, "prejudica a eficiência da execução orçamentária, esvaziando a capacidade do Estado de aplicar recursos em iniciativas estratégicas e enfraquecendo a implementação de políticas públicas essenciais".
Doutor em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, o professor da UnB Paulo Henrique Blair de Oliveira explica que as emendas de comissão vêm amparadas com pareceres técnicos muito melhores. "Os estudos que precedem as emendas de comissão são elaborados por uma assessoria técnica e isso garante uma qualidade de excelência para esse instrumento."
"A grande vantagem das emendas de comissão é que, por definição, são um pouco mais coletivas, isto é, elas são abraçadas por comissões temáticas. Tanto o Senado quanto a Câmara têm um corpo de assessoria técnica, composto pelos servidores selecionados por concurso público, que são pessoas altamente especializadas. Por isso, as emendas de comissão vêm amparadas com pareceres técnicos muito melhores."
Apesar do fundamento teórico, há uma falsa percepção de que "elas parecem atender a mais critérios de transparência, mas não necessariamente funciona assim. Há uma diferença entre o que está no papel e o que vai acontecer". "Se formos olhar para o conceito de transparência, vemos que não existe uma transparência que seja parcial. Ou ela ocorre, ou ela fica devendo. Não há um espaço saudável para uma transparência parcial", comentou.
A inexistência de uma transparência parcial converge na explicação de que essas emendas de comissão repetem o funcionamento do orçamento secreto. "Essa afirmação é, em parte, verdadeira e preocupa. Essas são formas alternativas de mudar o nome para a mesma prática. E parece que estamos sempre a dar voltas dentro do mesmo círculo", argumentou Paulo Henrique.
O orçamento secreto já foi executado por meio do repasse das emendas "RP9" feito pelo próprio relator do Orçamento, sem critérios objetivos. O instrumento foi considerado inconstitucional pelo STF em dezembro de 2022. A partir deste ano, no entanto, o mesmo começou a ser feito com outra rubrica, a "RP2", usada na destinação de verbas dos ministérios. "Mudam-se os nomes e a descrição dos procedimentos, mas as dúvidas sobre os direcionamentos dos gastos persistem: continuamos a querer saber para quem vai, quanto vai e para qual projeto", complementou o professor da UnB.