O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a chance em Nova York para defender pessoalmente que a nova lei antidesmatamento da União Europeia seja adiada — ela entra em vigor no dia 30 de dezembro e traz grande preocupação aos exportadores brasileiros. Lula está na cidade norte-americana para participar da 79ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que começa hoje, mas realiza também uma série de agendas paralelas e encontros bilaterais com chefes de Estado.
A nova lei proíbe que produtos agrícolas importados pela UE, como madeira, soja, cacau e café, tenham origem em terras desmatadas, mesmo que se trate de desmatamento legal. Para entrar no mercado europeu, os produtores brasileiros e de outros países terão que fornecer dados de geolocalização para atestar a procedência das mercadorias, o que é tido como inviável.
A primeira agenda oficial de Lula foi um almoço de trabalho com o chanceler alemão, Olaf Scholz. Apesar de não se opor à legislação, Scholz argumenta que há exigências difíceis de se cumprir na lei. Ele foi o primeiro chefe de Estado europeu a se opor à vigência da lei, após manifestações do setor produtivo, e é considerado pelo governo brasileiro como um possível aliado para adiar a regulamentação. Em seguida, Lula esteve com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que também já admitiu a possibilidade de suspender a aplicação da lei.
A pressão ocorre dentro do próprio bloco. Em nota, o Partido Popular Europeu (PPE), maior grupo político dentro do Parlamento Europeu e do qual a presidente faz parte, classificou a iniciativa como um “monstro burocrático” que ameaça a oferta de alimentos para animais e outros produtos. Além do Brasil, a lei sofre críticas da China, Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Malásia, Indonésia, entre outros países, que enviaram cartas à UE pedindo o adiamento.
Também o fizeram associações de produtores afetados pelas mudanças, como a Associação dos Produtores de Cacau da Nigéria e a Plataforma Global do Café. Crise x oportunidade Para a diretora de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Sueme Mori, o movimento do governo para tentar adiar a implementação da lei foi visto com bons olhos pelo setor produtivo. Ela avalia que os processos exigidos pela regulamentação são caros e impraticáveis.
“Temos uma preocupação muito grande com o impacto da medida no comércio do agro com o mundo inteiro. Apesar de a UE dizer que é uma medida ambiental, ela é uma medida comercial. Vai contra o nosso código florestal, que permite o desmatamento legal”, disse ao Correio. “Mesmo que a gente fale em adiamento, tem aspectos da lei que precisam ser revisitados. Nossa expectativa é nesse sentido. Ela já impacta o comércio. Recebemos depoimentos de produtores e exportadores que estão sendo cobrados, de importadores europeus que já exigem o cumprimento da medida”, acrescentou.
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Por outro lado, a assessora de políticas públicas Observatório do Clima, Mariana Lyrio, aponta que não faz sentido o governo defender o adiamento de uma política de preservação florestal enquanto grande parte do território queima. Ela destacou também que o governo Lula se comprometeu a acabar com o desmatamento legal e ilegal até 2030. “Considerando que o Brasil quer se posicionar como líder climático, vai sediar a COP e está sofrendo, nesse momento, com terríveis incêndios, é inaceitável que o governo brasileiro esteja pedindo o adiamento. Não faz sentido, vai contra o compromisso assumido pelo governo”, comentou Mariana.
Por ser a primeira lei do tipo no mundo, ela também aponta que adiar a iniciativa vai prejudicar a adoção de outras medidas do tipo, que já estão em estudo, por exemplo, pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. Mariana também rebateu a expectativa de prejuízo para as exportações. “A gente pode ser pioneiro, na verdade, servir de referência para o cumprimento dessa lei. Somos referências em monitoramento, por exemplo, na cadeia de soja. O Brasil tem mais a ganhar do que a perder com uma legislação dessas, em relação a concorrentes internacionais que desmatam”, argumentou.
“Caráter punitivo”
Outros 16 países assinaram a carta enviada pelo Brasil à Comissão Europeia em 7 de setembro. A maior parte deles está localizada no sul global e apontam preocupações com a lei antidesmatamento da União Europeia por considerá-la um documento de caráter “punitivo e discriminatório” da normativa europeia. A carta aponta que a lei antidesmatamento “foi desenhada sem conhecimento de como funciona o processo produtivo e exportador dos diferentes produtos e qual é a realidade em cada país”.
“O objetivo da iniciativa é reiterar preocupações com o caráter punitivo e discriminatório da normativa europeia, bem como ressaltar a importância de que a União Europeia mantenha diálogo efetivo com os países produtores, com vistas a evitar rupturas no comércio e ônus excessivo para produtores de bens agrícolas e derivados abrangidos pela medida”, informou a nota publicada pelo Ministério das Relações Exteriores, na ocasião.
A lei antidesmatamento da União Europeia, ou “EU Deforestation Regulation”, foi aprovada pelo Parlamento Europeu por 552 votos a 44 — com 43 abstenções — em 29 de junho de 2023. A partir da data, empresas e fornecedores terão 18 meses para implementarem as novas regras, que abrangem as commodities: soja, óleo de palma, café, cacau, madeira, borracha e carne bovina — associados ao desmatamento e à ilegalidade.
Nenhum país nem produto foi banido de comercializar com o Bloco, mas para comercializar os produtos abrangidos pela legislação com a UE os produtores e comerciantes terão que comprovar que esses produtos não provêm de áreas desmatadas nem causaram degradação florestal, a contar da data de 31 de dezembro de 2020. O objetivo é contribuir para redução dos impactos climáticos e pela conservação da biodiversidade.
A Indonésia, um dos principais exportadores de óleo de palma, café, cacau e borracha, assinou com o Brasil a carta enviada em setembro. O país, que será um dos mais afetados pela nova legislação, aponta que os mapas florestais utilizados pela UE têm várias diferenças com aqueles reconhecidos pelo país. Em agosto, um artigo publicado portal americano Mongabay, plataforma de notícias sem fins lucrativos sobre conservação e ciência ambiental, informa que o governo da Indonésia descobriu a existência de discrepâncias entre o mapa florestal e dados de monitoramento nacionais com aqueles utilizados pela UE como referência para a implementação da lei antidesmatamento.
A UE utilizará o programa Forest Observatory para monitoramento enquanto o governo indonésio utiliza um sistema próprio, chamado Simontana. Segundo o portal Mongabay, o Diretor Executivo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) na Indonésia, Aditya Bayunanda, afirmou que essas discrepâncias podem dificultar o cumprimento da lei antidesmatamento pelos produtores indonésios e, como consequência, afetar a exportação dos seus produtos para o mercado europeu.
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