O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem, na terça-feira, no discurso de abertura da 79ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, uma tarefa árdua: sustentar o argumento de defesa do meio ambiente e da necessidade de as nações se engajarem na defesa do planeta em função dos extremos climáticos com a onda de queimadas no Brasil, que devastou grandes áreas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Apesar da justificativa da longa estiagem — estudo realizado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) aponta que a falta de chuvas este ano pode ser a mais severa já registrada no país —, a comunidade internacional acompanha a atuação reticente do governo federal no combate aos incêndios.
Questionado sobre a agenda de Lula em Nova York, o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), embaixador Carlos Márcio Cozendey, respondeu não ver contradição entre o Brasil defender a pauta climática junto às Nações Unidas apesar de as queimadas se espalharem pelo país. "De certa maneira é o contrário: você vai levar para o cenário internacional que é preciso atuar rapidamente, agir, porque vejam só o que está acontecendo no Brasil. O que a gente tem visto no Brasil tem uma relação muito grande com os eventos climáticos extremos. Ou seja, uma seca excepcional, que está, de certa maneira, ligada a essas transformações que estão acontecendo", salientou.
Lula pretende mostrar que houve uma redução significativa no desmatamento da Amazônia (de 36%, no ano passado, em comparação com 2022) e repetirá, no discurso de abertura da assembleia-geral, a cobrança que faz para que os países desenvolvidos se responsabilizem por financiar ações de conservação em nações mais pobres.
Para manter o protagonismo climático e aconselhado por assessores, Lula estuda antecipar o anúncio do presidente da COP30 na viagem a Nova York. Normalmente, o nome só é divulgado na edição anterior — a COP29 ocorre em novembro, no Azerbaijão. O posto costuma ser ocupado por algum ministro do país-sede. O mais cotado é o secretário de Clima, Meio Ambiente e Energia do MRE, embaixador André Corrêa do Lago.
Especialistas ouvidos pelo Correio não compartilham a visão da diplomacia brasileira. Consideram que a imagem do presidente e do governo brasileiro como defensores do meio ambiente e principais proponentes de medidas compensatórias para os extremos da natureza não sai chamuscada pela onda de incêndios no curto prazo. Mas, no longo, atrai a atenção de outras nações, que acompanharão de perto as respostas do Poder Executivo a eventos inéditos causados pelo desequilíbrio climático.
"Embora as queimadas sejam devastadoras, a imagem do Brasil no cenário internacional não foi severamente afetada, em parte devido às iniciativas de Lula em 2023, com resultados positivos no combate ao desmatamento e compromissos ambientais até 2030. (As queimadas) não foram associadas, de forma significativa, a uma má gestão ambiental pelo governo brasileiro, mas isso não garante que pressões externas e críticas não possam surgir", adverte Vito Villar, analista de política internacional da Consultoria BMJ.
"O Brasil tem de mostrar para o mundo que já não dá mais para esperar, tem de agir em relação às mudanças climáticas. Em especial, à adaptação ao risco de desastres, olhando para os mais de três meses do episódio (de enchentes) do Rio Grande do Sul", avalia João Pedro Amaral, representante do Instituto Alana no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Mas ele observa que a abertura da Assembleia Geral da ONU é um momento para o governo brasileiro mostrar as iniciativas que vem tomando para a transição energética. Sobretudo porque os países estão revisando as metas climáticas individuais firmadas no Acordo de Paris, em 2015 — tratado cujo objetivo é diminuir a emissão de gases que pioram o efeito estufa e aceleram o aquecimento do planeta.
Para o fundador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre Gusmão (Funag), o embaixador aposentado Gelson Fonseca, Lula deve abordar no discurso temas como o combate à fome e desigualdade, que, conforme observa, estão diretamente ligados aos extremos climáticos. Ele salienta que as nações mais pobres são as primeiras a serem duramente afetadas pelas mudanças ambientais.
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