O governo brasileiro estuda recorrer à Organização Mundial de Comércio (OMC) contra as medidas da European Union Deforestation Act (EUDR), a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), que considera abusivas e entrarão em vigor a partir de janeiro do próximo ano. O principal objetivo da nova lei é impedir a importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas, legalmente ou não, a partir de 2020. Entretanto, com a onda de incêndios florestais no Brasil, o governo terá muitas dificuldades para sustentar o pleito. As circunstâncias políticas na Europa também impedem qualquer possibilidade de abrandamento da nova legislação pela UE.
Na terça-feira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), recebeu a presidente do Conselho Federal da Alemanha, Manuela Schwesig, para tratar do assunto. Afirmou que o Senado continuará esse trabalho junto às delegações que virão ao Brasil para a Cúpula de Líderes do G20. O evento está agendado para 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.
"Eu quero registrar a importância da intervenção do chanceler, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do ministro Carlos Fávaro, da Agricultura e Pecuária, justamente para que esse esclarecimento seja feito e que se possa, então, estabelecer regras que sejam claras às tradings, às grandes produtoras, aos pequenos produtores e aos médios produtores, para evitar prejuízos à produção brasileira, que é motivo de orgulho nacional", declarou Pacheco.
Na semana passada, o governo enviou uma carta à cúpula da UE pedindo que a legislação não seja aplicada, sob risco de impactar as exportações para os países da região. A nova lei tem como foco sete setores: gado bovino, café, cacau, produtos florestais (que abrange papel, celulose, bem como madeira), soja, óleo de palma e borracha. A lista inclui derivados, como couro, móveis e chocolate.
Um estudo técnico do Ministério da Agricultura concluiu que 31,8% das exportações brasileiras para a Europa poderão ser afetados. No ano passado, o Brasil vendeu US$ 46,3 bilhões ao bloco europeu. Com a lei, há impacto potencial de US$ 14,7 bilhões, valor equivalente, por exemplo, ao que o país embarcou para o Oriente Médio (cerca de US$ 15 bilhões) em 2023.
A narrativa brasileira é de que a lei punirá países que preservaram florestas. Entretanto, a falta de controle sobre as queimadas põe tudo a perder. Não dá para responsabilizar o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro por tudo o que está acontecendo. Mesmo que haja suspeita de que existe uma ação orquestrada de criminosos por trás de muitos incêndios.
Sem comprovação, apesar das investigações da Polícia Federal (PF), essa tese será tratada como teoria conspiratória e desculpa esfarrapada nos fóruns internacionais. O problema é do governo Lula, que terá que tomar medidas mais robustas de prevenção e pronta resposta contra o desmatamento e catástrofes naturais, como a que estamos vivendo agora. E do Congresso, que na atual legislatura trabalhou para mitigar a legislação ambiental, ao menos até o fogo alcançar o agronegócio de exportação.
Frente parlamentar
A Câmara dos Deputados tem debatido os impactos do regulamento da UE contra o desmatamento em cadeias produtivas e as exportações brasileiras, mas o faz com o olhar unilateral dos representantes do agronegócio. Para manter a unidade, os líderes do setor fogem como o diabo foge da cruz de qualquer discussão sobre a contenção do desmatamento e outras medidas voltadas para a proteção ambiental.
Há, sim, um setor moderno e progressista no agronegócio brasileiro, mas sua liderança é exercida apenas no terreno da produção e do comércio exterior, não se apresenta como uma força política moderna no Congresso. Fica a reboque do atraso. De fato, há problemas políticos que precisam ser levados em conta nessa matéria, porque a pressão dos agricultores europeus, principalmente da França, vem acompanhada também do fortalecimento da extrema direita nos principais países daquele continente, mais recentemente na Alemanha.
Essa é uma das razões, inclusive, para que o acordo comercial entre o Mercosul e a UE não saia do papel. A nova regulação europeia sobre o desmatamento envolve fatores complexos, que apresentam prejuízos diretos ao comércio agrícola e, principalmente, aos pequenos e médios produtores, nas condições atuais.
Do ponto de vista do direito internacional, o Itamaraty argumenta que a regulamentação extrapola os limites de legislar sobre seu próprio território e mercado, além de não observar os princípios internacionais. E incentiva o aumento das desigualdades nas relações comerciais.
Aprovada em 19 de abril pelo Parlamento Europeu, a lei determina a proibição da importação de produtos provenientes de áreas com qualquer nível de desmatamento identificado até dezembro de 2020 — seja legal ou ilegal. Entre as principais punições, estão a suspensão do comércio importador, a apreensão ou completa destruição de produtos, além de multas em dinheiro correspondentes a até 4% do valor anual arrecadado pela operadora responsável. Para entrar em território europeu, as commodities precisarão passar por rigorosa verificação.
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