Rio de Janeiro — Apesar dos temores de acidentes de grande magnitude — como o de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986; o de Fukushima, no Japão, em 2011, e o de Three Mile Island, nos Estados Unidos, em 1979 —, a energia nuclear é uma das mais eficientes e limpas. E o Brasil tem condições de aumentar a participação dessa fonte no momento em que concluir Angra 3, no litoral fluminense. "Não é um investimento barato, mas o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Keir Starmer, apontou recentemente que é a única forma de gerar e garantir emprego, segurança energética e energia por valores módicos no longo prazo", frisa Raul Lycurso, presidente da Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas nucleares brasileiras. Ele adverte que há um imenso custo para manter Angra 3 no estágio em que está — inconclusa — de cerca de R$ 230 milhões/ano. A seguir, os principais trechos desta conversa com o Correio.
Quando fica pronta Angra 3 e quanto custa manter aquele canteiro de obras gigantesco?
A pior obra de infraestrutura que pode existir é a obra de infraestrutura inacabada. Angra 3 é uma obra que começou a ser construída na década de 1980. Temos 39 anos de construção e precisamos tirá-la do papel. Já foram investidos mais de R$ 12 bilhões. A gente tem cerca de 12 mil equipamentos de Angra 3 guardados dentro da nossa central nuclear, esperando o momento exato de a obra andar para eles serem instalados e comissionados, e poderem começar a produzir energia.
São 37 prédios só na usina para guardar isso?
Basicamente. São galpões que só servem para isso. A gente também tem equipamentos que estão guardados na Nuclep, porque não tem mais espaço na empresa. Em termos de custo, só com a preservação de equipamentos, gastamos cerca de R$ 100 milhões por ano. Mas não é só isso. Tenho uma diretoria para Angra 3 exclusiva para a obra, toda uma gama de especialistas que custam, também, em torno de R$ 110 milhões por ano. Só nestas duas rubricas de preservação de equipamento e pessoal, estamos falando em torno R$ 230 milhões por ano, mesmo com a obra com o freio de mão puxado. Por isso, entendemos que Angra 3 precisa sair do papel o mais rápido possível para que esses gastos se tornem investimento, gerando energia elétrica para os brasileiros e desenvolvimento para o país.
R$ 230 milhões? Com equipamentos guardados há 40 anos custando isso, não estão obsoletos?
Infelizmente. E temos outros equipamentos de grande porte dentro da Nuclep — os geradores de vapor e o vaso do reator — que estão desde a década de 1980. Mas esse vaso do reator armazenado está obsoleto? Não! É um equipamento feito para durar até 100 anos em operação. Será instalado normalmente e vai operar a mesma vida útil dele, seja 50, 80 ou 100 anos. Para ter uma ideia, Angra foi licenciada para operar 40 anos, mas nós estamos estendendo a vida útil para chegar a 60. Nos Estados Unidos, têm usinas iguais, ampliando a vida útil de 60 para 80 anos. A fabricante da Angra está dizendo que está pensando em licenciar essas usinas para operar por até 100 anos.
Fazendo uma conta simples, R$ 230 milhões por ano em conservação, em 40 anos que a obra está parada, significam R$ 10 bilhões acumulados?
Para um projeto ser viável, faz-se um corte e se desconsidera uma determinada parte. Este corte foi dado em 2009. Então, tudo o que tem de 2009 para trás foi zerado. Só para ter uma ideia: de 2009 até hoje, foram investidos mais de R$ 12 bilhões. Todo o passado, como a gente chama em termos empresariais, esse custo foi "afundado".
São 40 anos. Quanto foi gasto para trás?
Se a gente for, efetivamente, colocar uma taxa de retorno, desde o momento que o projeto deveria ocorrer, em 1981, e considerá-lo para uma tarifa do consumidor, esse número seria inviável.
Quanto custaria uma usina nova?
As usinas são feitas sob medida. São artesanais, digamos assim. Nenhuma é exatamente igual a outra. Então, vai depender. Mas se for construído do zero, falamos em algo da magnitude de 8 bilhões de euros (quase R$ 50 bilhões). Não é um investimento barato, mas o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Keir Starmer, apontou, recentemente, que é a única forma de gerar e garantir emprego, segurança energética e energia por valores módicos a longo prazo. É caro construir, mas é tão caro quanto construir uma hidroelétrica do mesmo tamanho. Obviamente que a usina nuclear vai fornecer energia durante anos. Nós estamos falando, hoje, de projetos que performam por até 100 anos. E é uma garantia de energia firme, limpa, que não produz gases de efeito estufa. E é uma energia firme no sentido de que não depende de luz solar, de água ou de vento. Por isso é que a gente fala que um sistema seguro precisa ter essa energia firme, resiliente e potente.
Quanto ainda custa para acabar Angra 3?
Com o estudo que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está fazendo, vamos ter essa informação bem precisa. O número parece ser muito alto, em torno de R$ 20 bilhões, mas a gente não tem esse número. Esse estudo vai sair até o fim deste mês. Mas, certamente, será algo um pouco superior a R$ 20 bilhões.
Assumindo que faltam R$ 20 bilhões, qual seria o custo total?
Se a gente for computar todo esse tempo de ineficiência e botar esse custo na conta do consumidor, a tarifa explode. A gente está falando de pouco mais de R$ 20 bilhões para concluir e mais R$ 12 bilhões que foram investidos, de 2009 para cá.
Desistir da obra também custa caro...
Sai no mínimo por R$ 14 bilhões. Não dá para vender esse equipamento. Usina nuclear é feita de maneira específica para cada empreendimento. Esse equipamento, quando muito, vai servir de sobressalente para Angra 2 e, mesmo assim, com algumas peculiaridades.
A Eletrobras não parece muito interessada na conclusão de Angra 3...
Quando a Eletrobras foi foi capitalizada, existiu um acordo de investimento no qual se obriga a fazer os aportes e dar as garantias para terminar Angra 3. Existe essa obrigação.
O projeto original brasileiro previa oito usinas nucleares. Tem espaço para isso?
O projeto nuclear é da década de 1970. Seriam oito usinas iguais, na mesma potência de Angra 2. Tem espaço, mas é preciso revisitar o projeto. A gente precisa tirar Angra 3 do papel E as três usinas juntas vão gerar cerca de 60% de todo o consumo do estado do Rio de Janeiro. No Brasil, há a melhor matriz do mundo, a mais limpa, mas ainda temos um pouco de carvão e muitas térmicas a diesel. A energia nuclear poderia substituir essas fontes, extremamente poluentes. Isso não é para amanhã, falamos de, no mínimo, de sete anos para entrar em operação.
Os acidentes com usinas nucleares preocupam. Essa energia é limpa até haver um acidente, não?
O último acidente, o de Fukushima, aconteceu depois de um grande terremoto e um tsunami gigantesco. Mais de 20 mil pessoas morreram por causa do tsunami, mas nenhuma morreu pelo acidente radioativo. As pessoas viajam muito para os Estados Unidos sem ter o conhecimento de que lá tem quase 100 centrais nucleares funcionando neste exato momento. Quem viaja para a Costa Leste — Miami, Washington, Nova York, Boston... — pode ter certeza de que estará ao lado de uma central nuclear. Óbvio que precisa ter uma extrema segurança. São obras de infraestrutura que têm de ser muito bem mantidas, até porque, a cada evento que ocorre em uma determinada usina, o exemplo é levado para outras. O terremoto no Japão gerou determinados procedimentos que nós, no Brasil, apesar de não termos terremoto e maremoto dessa magnitude, temos de cumprir também.
Com oito usinas, qual seria a participação no fornecimento de energia e o impacto na geração de empregos?
Se forem construídas, será em algo em torno de 6%, já está de bom tamanho. Pode ter certeza que isso geraria muitos empregos. As obras são de longo prazo e em cada uma são de 5 mil a 7 mil empregos diretos na construção. Além disso, a usina funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano.
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