Platão, o filósofo grego autor de A República, quando pensou em demonstrar a cegueira dos homens diante de um mundo de aparências, atribuiu a Sócrates, personagem central do livro, a história conhecida por Mito da Caverna, ao qual já nos referimos em outras colunas, porque tem a ver com momentos recorrentes da nossa política, como agora, no processo eleitoral de São Paulo.
Na fábula de Platão, homens estão presos por argolas no fundo de uma caverna escura. Sempre viveram ali, sem poder olhar para trás, onde um fogo arde, a certa distância, e irradia uma luz que se projeta nas paredes. Veem apenas formas humanas, bruxuleantes. Pensam que é a realidade. Mas veem apenas suas próprias sombras. É o único mundo que conhecem, o mundo sensível, o mundo das aparências.
Reflexos da luz verdadeira (suas ideias) projetam as sombras, que são tomadas por verdadeiras. A realidade somente aparece para quem sai da caverna. Por analogia, uma parcela do eleitorado paulistano parece aprisionada em uma caverna. Levantamento do instituto Veritá Pesquisa, divulgado pela revista Veja ontem, mostra que o empresário e coach Pablo Marçal (PRTB) assumiu a liderança da disputa pela Prefeitura de São Paulo. A 40 dias da votação do primeiro turno, ele aparece com 36,3% das intenções de voto, seguido pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSol), com 25,4%, e pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 16,7%.
Depois, aparecem o apresentador José Luiz Datena (PSDB), com 7,4% do eleitorado; a deputada federal Tabata Amaral (PSB), com 6,9%; e a economista Marina Helena (Novo), com 4,2%. Dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, os três nomes encontram-se em empate técnico na quarta posição. Marçal teria aberto 11 pontos em relação a Boulos e 20 pontos em relação a Nunes.
A pesquisa é desqualificada pelos adversários de Marçal, que atribuem falta de credibilidade ao instituto responsável pelo levantamento, porém, outras pesquisas virão. Hoje mesmo, a Quaest divulgará um novo levantamento sobre a disputa em São Paulo. No seu último levantamento, ainda no fim de julho, o coach somava apenas 12% das intenções de voto, atrás de Nunes (20%), Boulos (19%) e Datena (19%). A se considerar as duas pesquisas, quanto mais apanha, mais o candidato outsider avança na corrida rumo à Prefeitura de São Paulo.
O resultado da pesquisa Veritá, de tão surpreendente, é quase inverossímil. É um avanço muito além do último DataFolha, divulgado em 22 de agosto, no qual Marçal marcou 21%, no mesmo patamar do deputado Guilherme Boulos (PSol), que oscilou de 22% para 23%, e de Nunes, que caiu de 23% para 19%. Em sendo verdadeira a vantagem de Marçal, Tabata Amaral acertou quando o escolheu como principal adversário, em vez de Boulos e Nunes.
Perfis proibidos
Na fábula de Platão, Tabata seria como o ex-prisioneiro que conseguiu sair da caverna e resolver contar o que viu fora dela aos demais prisioneiros, porém ninguém acreditou e todos passaram a tratá-lo como louco. As denúncias duríssimas de Tabata contra Marçal nas redes sociais até agora não surtiram efeito no eleitorado. Em vez de motivar a saída, mais pessoas foram atraídas para a caverna do coach nas redes sociais, como aqueles 60 seguidores que subiram o Pico dos Marins, em Piquete, no interior de São Paulo, sob péssimas condições climáticas, e se perderam no local, a 2.400 metros de altitude, sendo resgatado por equipes de socorro.
A esperança de todos os demais candidatos é de que a propaganda eleitoral de rádio e televisão ilumine a caverna, mas essa é uma aposta feita algumas vezes, mas que fracassou. Com o advento das redes sociais, ninguém tem a garantia de que a propaganda oficial de rádio e tevê seja suficiente para neutralizar a propaganda do outsider nas redes. Marçal quase não tem tempo na propaganda oficial.
Por isso, bani-lo das redes passou a ser tão importante, principalmente por causa da sua virulência e das mentiras. A Justiça Eleitoral de São Paulo já suspendeu os perfis de Marçal no Instagram, no X, no TikTok, no Discord e no YouTube. A medida também atinge o site oficial do influencer, que acusa a Justiça Eleitoral de violar a liberdade de expressão e de perseguir sua candidatura. O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo deve julgar o recurso e, qualquer que seja a decisão, o caso deve bater no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Para burlar a decisão judicial, Marçal teria usado perfis alternativos, o que pode complicar ainda mais a sua situação. O caso é emblemático para o TSE, que recebeu, nos últimos 10 dias, mais de 14 mil informes de propaganda eleitoral irregular, média de uma denúncia por minuto. Pelo calendário eleitoral, a propaganda eleitoral começou em 16 de agosto. São Paulo (2.838), Minas Gerais (1.571), Pernambuco (1.567) e Rio Grande do Sul (1.244) são os estados com mais denúncias, sendo 7.325 contra candidatos a vereador.
Saiba Mais
-
Política Ronnie Lessa diz acreditar que tentaram incriminar ex de Marielle pelo crime
-
Política Presidente do STF nega afastamento de Moraes de inquérito
-
Política CCJ avança com pacote de retaliação ao STF, mas governo adia votação
-
Política A cada minuto, o TSE recebe uma denúncia de propaganda eleitoral irregular
-
Política Lula anunciará início do alistamento militar feminino voluntário