Pela primeira vez na história, o Itamaraty enfrenta um indicativo de greve de servidores. Após anunciar, na última segunda-feira, que está disposta a iniciar uma paralisação no Ministério das Relações Exteriores, a Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros (ADB) deve enviar, nesta quarta-feira, uma contraproposta de reajuste salarial para o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI). Em entrevista ao Correio, o vice-presidente da ABD Sindical, Gustavo Buttes, afirma que a nova proposição que será levada à mesa busca equiparar os salários de diplomatas às remunerações dos que já estão no topo da carreira de serviço público.
A proposta do MGI, anunciada no último dia 8, prevê um aumento salarial linear que varia de 7,8%, para a classe de terceiros-secretários, até 23% para os embaixadores (Ministros de Primeira Classe – MPC). Segundo o ministério, o ganho acumulado para a categoria seria de 34%, levando-se em conta todos os reajustes de 2023 a 2026.
Para a categoria, a proposta é insuficiente. Além das pautas remuneratórias, os diplomatas reivindicam uma reestruturação de carreira, a fim de aumentar a possibilidade de progressão para quem inicia a vida profissional na diplomacia. O Ministério das Relações Exteriores informa estar atento às tratativas e espera uma solução benéfica à categoria. Leia, a seguir, a entrevista com o primeiro-secretário.
Quando foi apresentada a última proposta para diplomatas?
A nossa proposta salarial foi apresentada em junho, na mesa de negociação (com o MGI). A gente desenhou novas tabelas salariais de modo a equiparar os salários dos diplomatas aos salários que estão no topo da carreira de serviço público. A gente está falando de Advogado-Geral da União, auditor fiscal da Receita Federal e delegado da Polícia Federal.
Por que optaram por essa proposta?
Até 2016, a gente estava equiparado a essas carreiras. Elas possuem, em alguma medida, certo grau de complexidade técnica, funcional. São carreiras de Estado, que existem de forma perene, e garantem o funcionamento do Estado. Então faz sentido que os vencimentos dessas carreiras sejam os mesmos, até por questão de organização. Você cria um conjunto de carreiras de Estado, com rendimentos vinculados. Em uma negociação, você negocia com o conjunto das carreiras. Faz mais sentido na lógica do governo.
Vocês também reivindicam a reestruturação da carreira. Como isso pode se dar?
Esse é um ponto muito importante. Diferentemente das demais carreiras de serviço público e das carreiras civis, no caso da diplomacia, ainda existe um modelo considerado antiquado de carreira, no qual existe uma primazia do cargo e da disponibilidade de vagas sobre a ascensão funcional. Traduzindo: para uma pessoa poder ascender, quem está no topo precisa sair. Há um número limitado de vagas.
Como vocês avaliam a atual estrutura da carreira?
A gente percebe como inadequada, arcaica, desestimuladora. Agrava uma série de problemas estruturais no fluxo de carreira. A própria administração tem muita dificuldade nos processos de reestruturação, de promoção, de lotação. É um sistema considerado, pelo sindicato, como ultrapassado. Nesse contexto, a gente depende de um novo modelo de carreira, que é uma das pautas prioritárias para o sindicato. Talvez seja a pauta prioritária: uma reforma jurídica do Itamaraty, de modo que os funcionários possam progredir e serem promovidos a partir de critérios objetivos e claros.
Existem tratativas sobre a reestruturação?
Na mesa setorial, esse tema não está sendo tratado. É uma mesa que o MGI delimitou para tratar apenas de salário. Mas há um esforço do sindicato de colocar como demanda, também, a organização de um cronograma para que o sindicato e a administração do Itamaraty possam discutir a reforma da carreira. É do nosso entendimento que hoje não existe fluxo de progressão funcional. A carreira está engessada. Isso gera um impacto direto sobre a questão salarial.
Qual é o tempo médio estimado para alcançar o topo da carreira?
Hoje, em média, um diplomata que consegue chegar ao topo da carreira o faz em torno de 29, 30 anos, se ele for bem sucedido nos processos políticos que envolvem a sua profissão. Em outras carreiras do setor público federal, os servidores chegam ao topo, em média, com 10, 12, 15 anos. E chegam. Mesmo que não cumpra algum critério objetivo. O MGI tem feito um esforço de reestruturar as carreiras do serviço público, aumentando os padrões, para que as pessoas levem mais tempo para chegar no topo.
No fim de agosto, encerra-se o prazo de formulação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Há uma pressa para que um reajuste seja aprovado antes desse prazo?
Existe uma dinâmica de negociação na mesa. Os dois lados estão atentos a esse prazo. Então o MGI não pode, ou não deveria, tentar pressionar o sindicato a aceitar uma proposta em função do prazo. Isso não deve ser um cálculo a ser considerado pelo sindicato, ou pelo MGI. Ou os dois se preocupam com isso, ou ninguém se preocupa. O MGI trabalha com esse prazo e isso só reforça a necessidade dos dois lados para que acelerem o processo de negociação e se chegue a um consenso de negociação para os dois lados nos prazos mais curto possível.
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