ANOS DE CHUMBO

Comissão aprova anistia para a entidade que atuou contra remoção de favelas

Colegiado aprovou reparação coletiva à Federação da Associação das Favelas do Rio, que foi perseguida por  tentar impedir que 100 mil pessoas fossem expulsas dessas comunidades por agentes do regime militar; houve pedido de desculpas oficial

Na ditadura, os moradores de favela eram removidos e suas moradias eram destruídas, como na imagem -  (crédito:  Arquivo Nacional / Correio da Manhã)
Na ditadura, os moradores de favela eram removidos e suas moradias eram destruídas, como na imagem - (crédito: Arquivo Nacional / Correio da Manhã)

A Comissão de Anistia aprovou, na tarde desta sexta-feira (23/08), o pedido de reparação e anistia coletiva à Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), que, na ditadura, atuou na defesa dos moradores de comunidades que eram removidas pelos agentes do Estado. Eles também sofreram perseguição, com dirigentes presos e torturados.

Nesse julgamento, o colegiado jogou luz num episódio pouco difundido que ocorreu na ditadura militar que tratou da remoção dos moradores de favelas do Rio de Janeiro, como mais uma ação de repressão do regime de exceção. No final do julgamento, a presidente da Comissão de Anistia, Eneá Stutz, pediu perdão aos dirigentes da Faferj.

Além da declaração de anistia política coletiva, a Faferj reivindica da Comissão de Anistia o pedido de perdão pela perseguição da ditadura aos moradores das favelas do Rio de Janeiro  e mais as as seguintes medidas reparatórias:
  • O reconhecimento público das violações de direitos humanos perpetradas às comunidades periféricas;
  • A recomendação de ações como elaboração de um “Plano de redução de letalidade policial e controle das violações de direitos das forças policiais fluminenses”;
  • A implantação de câmeras, microfones e GPS nos uniformes dos policiais, com controle externo de dados;
  • A regulamentação do uso do helicóptero nas ações policiais;
  • Também implantação de câmeras nessas aeronaves e um protocolo de abordagem policial e medidas que visem preservar as evidências de delitos nas favelas, com vedação de remoção de corpos dos locais dos homicídios.

As violações contra essas comunidades da periferia carioca na ditadura estão descritas no relatório da Comissão da Verdade do Rio. Com a ditadura, houve um aumento do monitoramento e repressão a essas pessoas. Nessa política, fruto da doutrinação da segurança nacional, estava presente entre as medidas perpetradas pelo Estado a remoção forçada da população das favelas e a violência coletiva gerada pelo policiamento ostensivo militarizado "sob a lógica autoritária que transforma o 'inimigo interno' entre aqueles que apresentam demandas sociais", diz o pedido da Defensoria Pública da União (DPU), autora do requerimento,à Comissão de Anistia.

Além domonitoramento da Faferjhouve a perseguição a suas lideranças, atingidas pelosatos de exceção do regime militar. A Faferj foi fundada em 1963 e tem seu surgimento vinculado às lutas das populações periféricas por direito à cidade e à dignidade.O relatório apresentado pela DPU indica que a ação ditatorial nas favelas das remoções atingiram mais de 100 mil pessoas entre os anos de 1964 e 1973, se enquadrando em uma situação sistemática de graves violações aos direitos humanos.

"A intensificação da erradicação das favelas, do então Estado da Guanabara, se deu após o golpe de Estado de 1964, tomando relevo no período ditatorial que se seguiu. Outro traço marcante da violência estatal do período se deu por meio da militarização do Estado que ativou um aumento da presença do aparato repressivo nas favelas", relata da DPU, que também cita a violência empregada.

"A execução das remoções foi marcada por violência coletivas variadas, tais como prisões ilegais, desaparecimentos forçados, torturas, incêndios, dentre outros atos que configuram graves violações aos direitos humanos.Além da política remocionista, a militarização do policiamento nos territórios periféricos é uma marca da política de segurança nacional direcionada pelas Forças Armadas à época. Tal política inspira até os dias atuais a prática de policiamento ostensivo militarizado nestes espaços, se enquadrando como um forte legado autoritário que invisibiliza o massacre da população preta, pobre e periférica no Brasil". argumenta a Defensoria no pedido.

E afirma também que amilitarização ostensiva de hoje é um legado da ditadura "na arquitetura institucional da segurança pública, que se configura incompatível com um policiamento democrático, já que atua com distanciamento para com a sociedade civil, que ao invés de conceber forças que deveriam servir a pacificação social acabam por promover diversas violações aos direitos humanos, fruto da política empreendida".

Para Eneá Stutz, esse requerimentocoletivo da federação "é muito significativo porque demonstra como que as perseguiçõesque o Estado perpetrou contra as comunidades periféricas no período da ditadura do estado de exceção trazem sequelas e reflexos até os dias de hoje", diz a dirigente.

"Várias práticas da polícia e dos órgãos de segurança públicaque são vimos hoje em dia são práticas violentas que desrespeitam os direitos humanos. E estão aí até hojeexatamente porque nós não fizemos. entre as tarefas da justiça de transição, a reforma das instituições", disse Eneá Stutz.

A Faferj existe até hoje, é uma entidade sem fins lucrativos e representa 860associações de moradores filiados. Seu principal objetivo, hoje, é legalizar as associações de moradores. Além da Defensoria Pública, a Faferj, na ação, conta com o apoio daCoalizão Brasil por Memória, Verdade e Justiça.

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postado em 23/08/2024 16:54
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