O avanço, no Congresso, do projeto que altera os prazos da Lei da Ficha Limpa e reduz o cálculo do período de inelegibilidade suscita reação de advogados, de movimentos de combate à corrupção e de um dos idealizadores da lei, Márlon Reis. Ele classificou a ofensiva como "o mais grave atentado" contra a atual legislação, em vigor há 14 anos. Também há advogados que defendem a mudança proposta.
Quase um ano depois da aprovação pela Câmara, o projeto que flexibiliza a Lei da Ficha Limpa recebeu aval, em votação simbólica, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na última quarta-feira, e segue agora para o plenário.
Pelas regras previstas na versão desse projeto, os políticos cassados e condenados não poderão se eleger por oito anos contados a partir da condenação que gerou a cassação. Assim, o prazo é menor do que o previsto atualmente, contabilizado a partir do final da pena ou do mandato. Pelo texto da CCJ, as regras têm aplicação imediata e valem para condenações já existentes. A inelegibilidade não poderá ser maior do que 12 anos.
O projeto é de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), que foi preso na Lava-Jato em 2016 e condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou sua condenação por corrupção e lavagem, sob o argumento da defesa de que o processo deveria ter sido conduzido pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça Federal de Curitiba. Cunha hoje está inelegível, mas pode se beneficiar dessa alteração e se tornar elegível para disputar a eleição de 2026. O ex-presidente da Câmara segue presente no universo político e é visto circulando pelos corredores da Câmara.
Para o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) é "grave" essa alteração na Lei da Ficha Limpa, por reduzir o período de inelegibilidade até mesmo para condenados por crimes hediondos.
"Esse projeto representa um significativo retrocesso para o sistema eleitoral brasileiro, enfraquecendo um dos principais instrumentos de moralidade pública conquistados nos últimos anos. É alarmante observar que, após a aprovação da PEC que anistia partidos políticos por diversas irregularidades, agora se busca legislativamente reduzir as consequências para candidatos por crimes hediondos", criticou o movimento, em nota. "Essa mobilização dos parlamentares indica uma clara tentativa de legislar em causa própria, em detrimento dos princípios de justiça e igualdade que devem nortear o processo eleitoral", acrescentou, conclamando a sociedade a se mobilizar contra a tramitação da proposta.
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Já Márlon Reis lembrou que, ao longo da existência da Lei da Ficha Limpa, não foram poucas as tentativas de minimizar seus efeitos. Ele apontou políticos regionais, como prefeitos e aliados de deputados e senadores que estão inelegíveis, como fonte de pressão no Parlamento.
"O Congresso Nacional, além dos vários parlamentares que enfrentam problemas e riscos com a Justiça, é pressionado por políticos locais, que estão com suas vidas políticas inviabilizadas, nem tanto pela Lei da Ficha Limpa, mas pelos crimes a que ela se refere. A pena é alta porque a acusação é grave, e a condenação é longeva porque o fato é grave", disse Reis.
Para o advogado Bruno Rangel, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a lei em vigor trouxe benefícios insuperáveis no campo político. Ele avaliou, porém, que, desde o seu nascimento, demandava adequações pontuais para se tornar compatível com a Constituição. Alguns desses pontos estão contemplados pelo projeto atual, sustentou.
"Talvez, o principal ponto seja a multiplicidade de marcos para contagem do período de oito anos de inelegibilidade, que, na prática, permite alcançar prazo superior a 20 anos, tornando-se indeterminado, na verdade", argumentou. "Uma inelegibilidade por prazo indeterminado faz com que, nesse ponto, o país esteja mais próximo dos regimes autoritários do que dos democráticos."
Sobre eventual benefício ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Rangel entende que a lei possui um "caráter geral e abstrato" e que não deve "ser feita, desfeita ou interpretada a partir das pessoas concretamente beneficiadas ou prejudicadas".
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