Nas Entrelinhas

Análise: agressão doméstica de ex-assessor constrange Moraes

A maioria dos ministros do Supremo avalia que chegou a hora de concluir o inquérito das fake news, que atribui superpoderes ao ex-presidente do TSE

O TSE está no centro dos questionamentos de decisões do ministro Moraes contra políticos e aliados bolsonaristas -  (crédito: BBC Geral)
O TSE está no centro dos questionamentos de decisões do ministro Moraes contra políticos e aliados bolsonaristas - (crédito: BBC Geral)

A Polícia Federal intimou Eduardo Tagliaferro, sua esposa e seu cunhado Celso Luiz de Oliveira para depor, hoje, sobre os vazamentos de mensagens do WhatsApp do ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes reveladas pelo jornal Folha de S. Paulo, nas quais o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) teria orientado subordinados a reescrever relatórios sobre a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram os palácios dos Três Poderes, entre os quais o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A defesa quer adiar o depoimento.

O inquérito foi aberto a pedido do próprio ministro Moraes, que está numa saia justa, após o teor das mensagens de Tagliaferro vir à tona. O perito chefiou a AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no período em que Moraes presidiu a Corte Eleitoral. Tagliaferro foi preso por violência doméstica em 9 de maio de 2023 e exonerado do cargo no TSE no mesmo dia. Dias depois, seu cunhado entregou à Polícia Civil de São Paulo o aparelho telefônico do perito, cujo conteúdo acabou vazando.

O TSE está no centro dos questionamentos de decisões do ministro Moraes contra políticos e aliados bolsonaristas, alvos de inquéritos que tramitam em seu gabinete. O tribunal produziu, a pedido de Moraes, relatórios sobre suspeitos de propagar desinformação sobre o processo eleitoral e de ter realizado ataques a autoridades. Posteriormente, os relatórios foram usados por Moraes em decisões tomadas no STF, como bloqueio de contas em redes sociais, suspensão de passaporte e congelamento de contas bancárias.

O caso é uma daquelas voltas que o mundo dá. Superpoderoso, quando acumulou as presidências do TSE e do Supremo, Moraes foi protagonista da reação das instituições à tentativa de destituição do presidente Lula, que havia tomado posse uma semana antes. Já havia, anteriormente, se notabilizado por garantir o uso das urnas eletrônica nas eleições de 2022, pela apuração e pronta divulgação dos resultados oficiais do pleito e pela diplomação do presidente Lula, que também foi alvo de manifestações dos partidários do ex-presidente. Jair Bolsonaro não havia reconhecido o resultado do pleito.

Moraes esteve à frente do TSE em um contexto de fortes ataques ao processo eleitoral e saiu consagrado como grande protagonista da defesa da democracia, o que legitimou ainda mais a existência do inquérito das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli para investigar ameaças contra integrantes da Corte e a atuação de blogueiros na organização de ações antidemocráticas. Com base nesse processo, no qual Moraes acumula poderes de investigar, denunciar e julgar, o que é uma excepcionalidade, dos 1.400 investigados, 216 já foram condenados a penas que podem chegar a 17 anos de prisão.

Impeachment

É por essa razão que os aliados de Bolsonaro no Congresso articulam dia e noite um pedido de impeachment de Moraes. Não existe força suficiente de seus adversários para afastá-lo da Corte, mas o assunto ganhou nova dimensão a partir do momento em que o ministro Flávio Dino decidiu suspender o pagamento das emendas impositivas ao Orçamento por falta de transparência. A Corte prontamente ratificou a decisão de Dino, por 11 a zero, mas o conflito continua latente no Congresso, cuja Comissão Mista de Orçamento derrubou um credito extraordinário que transferia recursos para o STF, e a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara retomou a tramitação do projeto de lei aprovado pelo Senado que limita o poder das decisões monocráticas de ministros do Supremo, em se tratando de leis aprovadas pelo Congresso.

Mesmo depois do acordo de terça-feira, entre os ministros do Supremo; os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e os representantes do governo, para pactuar uma solução em relação às emendas impositivas, o governo continua querendo reduzir o valor total das emendas e estabelecer critérios para sua aplicação, enquanto o Congresso pretende mantê-lo. O assunto pacificado até agora é a obrigação de transparência e rastreabilidade, que são pressupostos constitucionais das diretrizes orçamentárias.

Cerca de 13 inquéritos investigam o desvio de recursos públicos provenientes dessas emendas, o que ainda vai estressar as relações. É nesse contexto que a maioria dos ministros do Supremo avalia que chegou a hora de concluir o inquérito das fake news, que atribui superpoderes a Moraes. Mesmo o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que atuou como bombeiro na crise entre os Poderes, está desconfortável com essa situação, porque serve de argumento contra o Supremo, acusado de exorbitar de suas funções.

Quando houve a denúncia sobre as mensagens trocadas pelos assessores de Moraes, a solidariedade ao ministro foi integral, mas isso não significa que todos estejam de acordo com um inquérito tão amplo e tão prolongado.

 

 

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postado em 22/08/2024 03:55 / atualizado em 22/08/2024 08:50
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