Apesar da pressão externa para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tome uma posição incisiva a respeito das eleições na Venezuela, a chancelaria brasileira busca uma negociação entre o presidente do país vizinho, Nicolás Maduro, e a oposição, na figura do candidato Edmundo González Urrutia. O Itamaraty articula com os governos da Venezuela, da Colômbia e do México uma ligação entre os quatro chefes de Estado, que deve ocorrer nesta semana.
Na chamada, Maduro possivelmente ouvirá novas cobranças pela divulgação das atas eleitorais e um apelo para conter a repressão no país. Lula também deve ligar para González Urrutia, em outro momento, com o objetivo de defender os mesmos pontos.
A negociação é liderada pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que acompanhou Lula em sua agenda de dois dias em Santiago, no Chile. O chanceler desembarcou em Brasília na noite desta terça-feira, enquanto Lula ficou em São Paulo.
O pedido de conversa partiu do próprio Maduro, na semana passada. Porém Lula não aceitou — ele enfrentava forte repercussão negativa após dizer, dias antes, que não havia "nada de anormal" no pleito venezuelano.
Diplomatas ouvidos pelo Correio rebateram críticas feitas à posição do Brasil, como a carta enviada a Lula, na segunda-feira, por 30 ex-presidentes da América Latina e da Espanha. Nomes como Mauricio Macri (Argentina), Carlos Mesa (Bolívia), Juan Carlos Wasmosy (Paraguai) e Guillermo Lasso (Equador) acusaram Maduro de fraude e "exortaram" o chefe de Estado brasileiro a fazer valer a democracia no país vizinho.
"O que está acontecendo é um escândalo. Todos os governos americanos e europeus sabem disso. Admitir tal precedente ferirá mortalmente os esforços que continuam a ser feitos com tanto sacrifício nas Américas para defender a tríade da democracia, do Estado e dos direitos humanos. Não exigimos nada diferente do que o próprio presidente Lula da Silva preserva em seu país", diz um trecho da carta.
Segundo um integrante do alto escalão do Itamaraty, sob reserva, o documento demonstra que os ex-presidentes desconhecem as ações da chancelaria e do próprio Lula na crise, tomadas nos bastidores. Para ele, desde o dia seguinte à eleição, o chefe do Executivo brasileiro está fazendo exatamente o que o texto pede.
"Chegaram com uma semana de atraso, porque só têm informação de jornal", disse o diplomata. A postura da chancelaria é de cautela, embora a demora na divulgação das atas aumente a suspeita sobre o resultado. A orientação é cobrar as atas e manter aberto o canal de diálogo. "O resto pode esperar", acrescentou. Outro interlocutor acredita que a carta já está alinhada com o que o governo brasileiro defende: a divulgação dos votos.
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Na noite de segunda-feira, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), responsável pelas eleições, anunciou a entrega dos boletins ao Tribunal Supremo de Justiça, que fará uma auditoria dos votos, com a presença tanto do governo quanto da oposição. A Corte, porém, é alinhada com Maduro, e o processo deve durar, pelo menos, 15 dias. O Itamaraty e a comunidade internacional pedem que os documentos sejam tornados públicos e verificados por outros atores.
Criticada por líderes, a postura brasileira recebeu mais um aval nesta terça-feira. Mauro Vieira conversou por telefone com o chanceler espanhol, José Manuel Albares, sobre os últimos acontecimentos na Venezuela. Em nota, os dois concordaram que é preciso ter os dados desagregados da votação para reconhecer ou não o pleito. Outras nações europeias, como França, Alemanha e Itália, também adotam cautela.
"Nada muda"
Para especialistas da área internacional, Lula não cortaria relações diplomáticas com a Venezuela em caso de comprovação de fraude nas eleições. Isso porque o país tem interesses em comum, como na compra de energia e na expansão do comércio, que poderiam ser impactadas.
"O Brasil possui interesses na Venezuela por conta da estabilidade política e econômica para fortalecer a integração regional e bilateral e também por fatores que passam tanto por reduzir o número de refugiados quanto por expandir o comércio, receber a dívida não paga pela Venezuela e combater os crimes transnacionais. No cenário de hoje, tudo indica que nada vai mudar, e o Maduro vai continuar como presidente", observou o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, Rubens Barbosa.
Por sua vez, o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida destacou o que chamou de "diplomacia personalista" do chefe do Planalto. "Lula continuará a ser leniente com a ditadura chavista até que Maduro ou a Corte local apresentem 'atas eleitorais' que Lula vai considerar 'aceitáveis'. O petista não rechaçou o resultado junto aos demais países porque queria proteger Maduro e queria ser exclusivo, e não parte de um grupo de outros dirigentes latino-americanos", avaliou.
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