análise

Alexandre Garcia: vitrina e espelho

Quando um presidente quer ser proprietário do Estado, de suas estatais, é para poder empregar seus seguidores e levantar dinheiro para eleições que o mantenham no poder e legalizem esse patrimonialismo

Alexandre Garcia -  (crédito: Alexandre Garcia)
Alexandre Garcia - (crédito: Alexandre Garcia)

O mais impactante documento depois da eleição venezuelana é a carta de 30 ex-presidentes latino-americanos ao presidente Lula. O verbo usado para se dirigirem ao presidente do Brasil foi exortamos. Exortaram o presidente Lula a fazer prevalecer a democracia na Venezuela. Disseram a Lula que acontece um escândalo e admiti-lo ferirá de morte os esforços pela democracia e direitos humanos no continente. Não são simples militantes políticos. São ex-presidentes, experientes, que conduziram suas nações com democracia. Eles sabem que o Brasil torpedeou a tentativa de pressionar Maduro pelo foro óbvio, que é a Organização dos Estados Americanos. A OEA não teve os 18 votos necessários para uma resolução por direitos humanos e transparência eleitoral porque faltou o voto do Brasil, enquanto Celso Amorim manobrava para tirar a OEA da solução e juntar ao Brasil o México e a Colômbia, numa pressão que não emparedasse Maduro. Fizeram a carta a Lula porque o consideram responsável por Maduro. Não exortaram Petro, da Colômbia, nem Obrador, do México, porque sabem quem pilota a defesa de Maduro.

Quando olho para a Venezuela, vejo expostos, como numa vitrina, o que evitar no Brasil, mas esse olhar também me dá a desagradável sensação de um cenário heurístico para o Brasil — como me disse um reitor, que me fez consultar o dicionário. Ele quis dizer que a Venezuela nos oferece um cenário pedagógico, quando a gente procura soluções para o Brasil. Maduro não consegue convencer ninguém de que fez 52% dos votos (já foi 51,21%), porque há a comprovação das actas. Não consegue convencer ninguém que é democracia ficar 17 anos no poder, não consegue esconder a violência da repressão policial e de suas milícias. Ninguém, à exceção do governo brasileiro e interessados fisiologicamente, para quem a ideologia vem em segundo plano.

São muitos os interesses envolvidos. Maduro não é apenas o indivíduo, mas o que ele representa, até como testa de ferro. Para a China e a Rússia, são interesses econômicos no gigantesco potencial da Venezuela, no subsolo e na localização geográfica. Depois que a União Soviética acabou, a garantia de Cuba é a Venezuela. Há empresas americanas com grandes interesses no petróleo e nas riquezas minerais venezuelanas. A China investe na vizinha Guiana; quem já andou por Georgetown já testemunhou isso. E o pior são as organizações criminosas, principalmente do narcotráfico (já se derramando por Roraima), o que justifica o interesse do México e da Colômbia em se associarem ao Brasil para buscar uma solução confortável a Maduro, evitando a ação da OEA.

A Venezuela nos faz lembrar o óbvio: o Estado só existe para servir à nação. A nação somos nós, eleitores, pagadores de impostos, cidadãos. Os integrantes do Estado são nossos servidores. Todos eles. Não são donos do Estado, nem seus partidos, porque os donos do Estado somos nós. Quando um presidente quer ser proprietário do Estado, de suas estatais, é para poder empregar seus seguidores e levantar dinheiro para eleições que o mantenham no poder e legalizem esse patrimonialismo. Forma-se uma rede de sócios/cúmplices. Se a clientela votante é desinformada, tudo aceita. É por isso que alguém como Maduro, ou semelhantes, engana tanta gente. Que nos miremos nessa vitrina, que pode também refletir a nossa cara.

 

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postado em 07/08/2024 03:55
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