Para manter a fachada de que os venezuelanos vivem num regime democrático como os demais países da América do Sul, o presidente Nícolas Maduro, sob grande pressão internacional, teve que convocar eleições presidenciais na Venezuela. Fez tudo o que pode e o que não poderia para retirar da disputa os adversários, porém, as pesquisas mostram que no próximo domingo pode ser derrotado pelo candidato de oposição Edmundo González Urrutia, o ex-diplomata que lidera a corrida presidencial com mais de 50% das intenções de voto, contra 20% de Maduro. Outros oito candidatos participam do pleito.
Derrotas eleitorais são corrosivas para os regimes autoritários, mesmo quando o poder central não está em disputa, como ocorreu no Brasil em 1974, 1978 e 1982. Talvez a derrota de Maduro, com sinal trocado, seja semelhante à do sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet. Após 15 anos no poder, o general que depôs o governo de Salvador Allende resolveu, em 1988, dar uma cartada para tentar se legitimar na Presidência por mais um período. Convocou um plebiscito sobre a sua permanência. As eleições venezuelanas serão plebiscitárias.
Maduro recorre a todos os expedientes para conter a oposição, sem sucesso até agora. A tática da oposição venezuelana se parece muito com a da oposição chilena, descrita no filme No. Nele, o diretor Plabo Larrain conta os bastidores da campanha publicitária que inviabilizou a permanência de Pinochet no poder. Como no Chile, a comunidade internacional pressiona o regime de Maduro. Sua busca desesperada pela permanência no poder se parece com a tentativa de legitimação continuísta de Pinochet.
Aos 61 anos, Maduro está há 11 no poder e tenta a terceira reeleição. Desta vez, não teve como barrar a participação da coalizão de partidos opositores, que também decidiu não boicotar o pleito, quando suas candidatas foram impedidas de concorrer. Maduro havia convocado eleições como contrapartida ao acordo de suspensão das sanções econômicas dos Estados Unidos. Ao tornar inelegível a candidata de oposição María Corina Machado, que liderava as pesquisas, as sanções foram restabelecidas. Em outubro do ano passado, a ex-deputada havia vencido as primárias da oposição, com mais de 90% das indicações, porém, teve a candidatura cassada pelo governo, com ratificação da Suprema Corte da Venezuela.
O presidente Maduro manobra descaradamente para fraudar as eleições. Cancelou o convite à missão da União Europeia (UE) para monitorar o processo eleitoral, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou o envio de observadores, que não têm previsão de fazer declarações públicas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma posição ambígua em relação ao pleito, cujo resultado já disse que aceitará. O assessor especial da Presidência, Celso Amorim, foi despachado para Caracas, onde acompanhará o pleito.
Fraudes à vista
Maduro somente vencerá as eleições mediante uma fraude escancarada, avaliam os principais analistas internacionais. Essa possibilidade é real. A Organização dos Estados Americanos (OEA), além dos EUA e da UE, e os partidos de oposição foram impedidos de fiscalizar o pleito, que não tem paridade de armas.
As condições da eleição estão extremamente desequilibradas, o governo usa todos os recursos estatais para favorecer Maduro. Candidato improvável, Edmundo González mesmo assim abriu 20 pontos de vantagem nas pesquisas. O ex-diplomata é escritor e acadêmico, foi escolhido como candidato de consenso pela coalizão de oposição Plataforma Unitária.
Maduro proibira María Corina de ocupar cargos públicos por 15 anos, acusando-a de fraude, o que ela nega. Depois, sua substituta, a historiadora Corina Yoris, também não pôde concorrer. Simplesmente não teve a candidatura registrada pelo sistema on-line quando tentou fazê-lo. Seus apoiadores foram alvo de mandados de prisão e membros de sua equipe foram detidos. Ambas resolveram apoiar Edmundo Gonzales.
A oposição se compromete a revitalizar a economia para trazer de volta os milhões de venezuelanos que migraram desde 2013. São o segundo maior contingente de pessoas que cruzaram a fronteira dos EUA com o México. No Brasil, há 195 mil refugiados, dos mais de 80% em situação de vulnerabilidade.
A pergunta que fica no ar é como Maduro fará para se manter no poder. Já disse que sua derrota resultará num banho de sangue, o que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a se dizer espantado com a declaração, numa troca de farpas na qual Maduro sugeriu que o petista tomasse camomila.
Está claro, pois, que Maduro não pretende aceitar um resultado desfavorável, caso não consiga fraudar as eleições na escala que deseja. Haverá forte reação internacional se isso ocorrer, mas o regime bolivariano conta com aliados como Cuba, Rússia, Coreia do Norte, Irã e China. Um desfecho golpista como esse empurrará a Venezuela para fora do contexto político do Ocidente. A posição do Brasil sobre tudo isso terá grande impacto nas nossas relações internacionais. Lula disse que Maduro deve aceitar o resultado das eleição, se tomar um “banho de votos”. E se houver um faz-de-conta eleitoral?