A gestão da merenda escolar nas escolas públicas passa por diversos problemas, como desvio de recursos, controle ineficiente de verbas, superfaturamento, estocagem inadequada e alimentos vencidos. Esses gargalos afetam não apenas a alimentação dos estudante como o próprio aprendizado, já que muitos alunos enfrentam vulnerabilidade alimentar e social.
Sem uma alimentação adequada, os estudantes encontram dificuldades para se concentrar e aprender, comprometendo seu desempenho escolar e, consequentemente, seu futuro. Na semana passada, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou falhas nos programas de merenda escolar entre 2015 e 2020, abrangendo os governos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
O documento identificou 1.652 irregularidades no PNAE, distribuídas em 205 relatórios de auditoria, dos quais 194 evidenciaram problemas graves, como falhas no controle de recursos, gestão de estoque, licitações e até fornecimento de alimentos vencidos. Entre as principais falhas, 38% estavam relacionadas ao controle, incluindo gerenciamento inadequado de estoques, despesas incompatíveis com o programa, descumprimento de cardápios nutricionais e omissão na prestação de contas. No campo das licitações, foram encontradas ausências de pesquisa de preços, cláusulas restritivas, contratação de empresas sem capacidade operacional e até falsificação de assinaturas.
O levantamento da CGU não compreende o período da atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a campanha de 2022, o então candidato petista criticou o valor repassado pelo governo de Jair Bolsonaro, que era de R$ 0,36 por aluno, classificando-o como “desumano”. Cumprindo a promessa de campanha, em março de 2023, o governo federal aumentou o valor para R$ 0,50 por estudante — um incremento de 39%. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é a autarquia responsável pela gestão do PNAE, que assegura a transferência de recursos financeiros para subsidiar a alimentação escolar de todos os alunos da educação básica em escolas públicas e filantrópicas.
Esses repasses são realizados diretamente aos estados e municípios, com base no censo escolar do ano anterior. Em nota ao Correio, o FNDE explicou o papel do Conselho de Alimentação Escolar na fiscalização dos recursos. “O Conselho de Alimentação Escolar é responsável pelo controle social do PNAE, isto é, por acompanhar a aquisição dos produtos, a qualidade da alimentação ofertada aos alunos, as condições higiênicosanitárias em que os alimentos são armazenados, preparados e servidos, a distribuição e o consumo, a execução financeira e a tarefa de avaliação da prestação de contas”, detalhou.
A nota ressaltou ainda o aumento de verbas para a alimentação estudantil. “Em 2023, após 6 anos sem reajuste, o governo federal realizou o aporte adicional de R$ 1,5 bilhão para o orçamento do PNAE e atualizou os valores per capita. Sendo assim, o PNAE investe, atualmente, R$ 5,5 bilhões por ano para a alimentação escolar”. Apesar de o governo federal ter reajustado em 39% o repasse de recursos à merenda escolar, garantir alimentação de qualidade aos alunos da rede pública ainda é um desafio.
O reajuste foi feito, mas a disparidade na qualidade do cardápio servido persiste em diferentes estados do país. Segundo especialistas em educação, essa disparidade ocorre porque o valor enviado pelo governo federal segue uma base única de cálculo, baseada no número de alunos matriculados em cada nível de ensino. O repasse não cobre todos os custos, já que estados e municípios são responsáveis pela maior parte da verba destinada à alimentação escolar. Essa diferença nos investimentos locais resulta em cardápios com qualidades variadas, de acordo com a capacidade financeira de cada região.
A assessora executiva e de pesquisa do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Luana Cunha, explica que as dificuldades encontradas na distribuição da merenda escolar são diferentes para áreas distantes dos grandes centros, especialmente em regiões mais afastadas e carentes do Brasil. “Percebemos que a alimentação escolar acaba tendo uma problemática maior para execução em municípios mais afastados dos grandes centros”, disse ela, apontando que “o custo logístico na entrega de uma alimentação adequada e de qualidade, em harmonia com a cultura local, acaba superando o valor da própria alimentação”.
Desvio de dinheiro
Em meio aos diversos problemas ligados à gestão da merenda escolar, as autoridades buscam responsabilizar os autores dos malfeitos. No início do mês, a Operação Fames, realizada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, revelou que empresas contratadas pela prefeitura deixaram de fornecer 500 toneladas de alimentos às escolas da cidade.
Em razão dos desvios, frequentemente os estudantes comiam apenas arroz e ovo. Segundo a PF, pelo menos R$ 6 milhões foram desviados do PNAE e embolsados por criminosos, deixando milhares de estudantes sem uma alimentação adequada. O MPF constatou indícios de que a peça central do esquema de corrupção era o secretário municipal de educação de Belford Roxo, Denis Macedo, que se encontra, atualmente, preso. Ele foi exonerado do cargo.
Impacto na aprendizagem
Os hábitos alimentares adquiridos na infância influenciam a vida adulta. Por isso, o cardápio da merenda escolar deve ser cuidadosamente planejado para garantir uma nutrição adequada, contendo macro e micronutrientes para o desenvolvimento saudável dos alunos. Um cardápio bem planejado contribui para a formação de hábitos alimentares saudáveis e para o combate à desnutrição e obesidade infantil. Esse desafio logístico implica não apenas em dificuldades de transporte, mas também na manutenção da qualidade e diversidade dos alimentos, o que é primordial para o desenvolvimento saudável dos alunos, de acordo com a nutricionista materno infantil Bruna Araújo.
“A merenda proporciona nutrição adequada para o desenvolvimento físico e cognitivo dos alunos, promove a saúde ao prevenir doenças relacionadas à má alimentação, melhora o desempenho acadêmico ao favorecer concentração e aprendizado, reduz a evasão escolar ao incentivar a frequência regular dos alunos. Muitos alunos vão para a escola somente porque tem aquela refeição, a merenda escolar não apenas alimenta”, descreve.
Por isso, Bruna sublinhou a necessidade de uma alimentação variada e equilibrada para garantir que os alunos recebam todos os nutrientes necessários para seu crescimento. “Uma boa alimentação abrange um consumo variado de alimentos, como frutas, verduras, carboidratos, proteínas variadas e gorduras saudáveis. É possível ter deficiências nutricionais devido à falta de variedade de alimentos, como anemia, deficiência de vitamina C, vitaminas A e E e B12”, destacou.
A especialista descreve os efeitos de uma alimentação desequilibrada na criança. “Quando a alimentação tem uma baixa variedade, a criança não recebe todos os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. É muito importante que as crianças tenham acesso ao peixe. O consumo regular de peixe está associado à redução do risco de doenças cardíacas, melhora da função cerebral e benefícios para a saúde ocular”, conta.
*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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