Naquele fim de tarde de sábado em que chegou a notícia do atentado contra Trump, meu primeiro pensamento foi: Adélio americano. Isso resumia tudo. Candidato forte com adversário fraco, para tirá-lo do rumo à Presidência, só matando. Thomas Crooks e Adélio Bispo; fuzil e faca; Biden e Haddad; Trump e Bolsonaro. Não matou, mas feriu e o sangue lubrifica as engrenagens da vitória. Gerou a foto icônica, como a de Iwo-Jima, com o mesmo simbolismo da bandeira americana.
No momento em que vi a foto, também minutos depois do atentado, intuí que seria o mote eleitoral. No 6 de setembro de 2018 a percepção do resultado que viria após a facada é a mesma depois dos tiros na Pensilvânia. Postando para Trump, Bolsonaro resumiu essa outra história: “Nos vemos na posse”.
Os agressores entraram para a História e, ao contrário do que pretendiam, turbinaram os mitos. John Wilkes Booth com Lincoln; Leon Czolgosz, com McKinley; Lee Harvey Oswald com Kennedy; John Hinkley com Reagan; Adélio Bispo com Bolsonaro; e agora esse Thomas Crooks com Trump.
Assim como o indecifrado Adélio ajudou Bolsonaro, o jovem Crooks antecipa o resultado eleitoral de outubro nos Estados Unidos. Entre os americanos atacados, apenas Kennedy era do partido Democrata; os demais, republicanos. Agora se buscam explicações para tantos erros e omissões do Serviço Secreto que protege autoridades.
A violência — e a justificativa para atos de violência jurídica, inconstitucionais e ilegais — tem uma origem, registrada no editorial publicado no dia seguinte, do Wall St. Journal, endossando palavras do ex-procurador-geral dos Estados Unidos, William Barr: “Os democratas têm que parar com essa conversa grosseiramente irresponsável sobre Trump ser uma ameaça existencial à democracia — ele não é.”
Lá, como cá, inventa-se essa ameaça para justificar atos que, esses sim, ameaçam as liberdades, o devido processo legal e o estado democrático de direito. O estímulo do ódio é semeado primeiro nas mentes, nas escolas, nas artes, na propaganda disfarçada de noticiário. Depois as mentes armam as mãos, com faca ou fuzil - ou mesmo com paus e pedras, que também matam. A camuflagem é o amor, que atualiza a ficção profética de George Orwell no seu 1984. No livro, o Ministério da Verdade estabelece que Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força.
Os seguidores atuais do Grande Irmão acrescentaram Ódio é Amor, mensagem enganosa embutida todos os dias em todos os meios, até povoar cabeças jovens como a de Tom Crooks, antes que as mãos se armassem. Depois, ele subiu naquele telhado desocupado pelo Serviço Secreto, de onde tinha ampla visada da cabeça de Trump.