Nas entrelinhas

Análise: PT perdeu a centralidade da democracia

"Não se compreende a aposta no alinhamento de Maduro ao eixo formado por Rússia, China, Cuba, Irã, Síria, Madagascar e Coreia do Norte, além de Honduras e Nicarágua", ob serva o jornalista

 Members of the Bolivarian National Guard (GNB) riot squad arrest opponents of Venezuelan President Nicolas Maduro taking part in a demonstration, at Chacao neighbourhood in Caracas on July 30, 2024. Venezuela braced for new demonstrations after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Yuri CORTEZ / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Members of the Bolivarian National Guard (GNB) riot squad arrest opponents of Venezuelan President Nicolas Maduro taking part in a demonstration, at Chacao neighbourhood in Caracas on July 30, 2024. Venezuela braced for new demonstrations after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Yuri CORTEZ / AFP) - (crédito: AFP)

Para quem passou pela tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, quando partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro tomaram a Praça dos Três Poderes e invadiram seus palácios com objetivo de provocar uma crise institucional e destituir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nota do PT reconhecendo a "vitória" eleitoral do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, revela um partido político que perdeu a noção da realidade na qual atua.

A nota trata Maduro como "presidente reeleito" e descarta que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano divulgue os dados de cada local de votação, principal cobrança da oposição e de vários países. O Itamaraty considera essa divulgação o "passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito". O CNE garante que Maduro venceu com 51,2% dos votos, ante 44% de Edmundo González, o principal opositor. Ninguém acredita.

O PT abandonou a centralidade da democracia e subordinou seus valores ao alinhamento ideológico com forças de esquerda da América Latina que ainda se pautam pela agenda do velho nacionalismo, uma linha de atuação na qual o inimigo principal são os Estados Unidos e a democracia é apenas um instrumento de acumulação de forças para chegada ao poder, que deve ser mantido a qualquer preço, mesmo por meio de fraudes eleitorais e feroz repressão à oposição. É o que acontece agora na Venezuela.

Não se compreende a aposta do PT no alinhamento de Maduro ao eixo formado por Rússia, China, Cuba, Irã, Síria, Madagascar e Coreia do Norte, além de Honduras e Nicarágua, para se manter no poder. Essa é a chave geopolítica — e estratégico-militar — para a qual a Venezuela se direciona e que não interessa nem um pouco ao Brasil que venha a se tornar o divisor de águas da política latino-americana. É uma aposta na "guerra fria" e não no multilateralismo, que pauta a política externa do próprio Lula, e não, apenas, a tradição diplomática do Itamaraty.

Para um partido fundado em 1980, o posicionamento do PT sobre a Venezuela, no frigir dos ovos dessa crise diplomática, é de uma infantilidade política que beira o complexo de Peter Pan. A síndrome se inspira no famoso personagem dos contos de fadas de J.M. Barrie, que não aceita crescer e prefere continuar no mundo da infância para sempre. Uma mistura de imaturidade e narcisismo político.

Grosso modo, a ideologia consiste em separar a produção das ideias das condições históricas sobre as quais são produzidas. Ou seja, dar às ideias status de universalidade, atemporalidade e apriorismo. A ideologia assume um poder superior e exterior, um poder espiritual autônomo, capaz de mascar as contradições reais.

É o que mostra a cúpula petista, que sabota os esforços do Itamaraty para construir uma solução na qual as regras do jogo democrático prevaleçam e põe Lula numa saia justa mais apertada do que já estava, do ponto de vista diplomático. O PT se isola, fragiliza o presidente e leva água para o moinho da oposição.

Violência cresce

Há, sim, um esforço de Lula para chegar a um posicionamento sobre a Venezuela que não descole o Brasil da maioria dos países do G20, que se reúne em novembro, no Rio de Janeiro. Ontem, o presidente brasileiro conversou com o presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, e reiterou a posição de aguardar a divulgação das atas eleitorais para reconhecer ou não a vitória de Maduro. Essa posição é compartilhada com Colômbia, México, Inglaterra e União Europeia, que também exigem transparência na apuração das urnas.

Entretanto, também ontem, em entrevista, Lula disse que a situação na Venezuela é "normal" e que a contestação do resultado pela oposição deve ser encaminhada à Justiça. Com certeza tentará se distanciar de Maduro, mas não romperá relações com a Venezuela, nem apoiará uma intervenção militar no país vizinho.

Na Venezuela, a revolta popular diante da proclamação da vitória de Maduro sem a comprovação do resultado pelas atas das urnas, duramente reprimida, já resultou em 11 mortos, 48 feridos e 749 presos. Maduro acusa parte da oposição e países de incitarem um suposto golpe de Estado no país contra o resultado eleitoral.

Ontem, o parlamento venezuelano reconheceu o resultado, enquanto as forças de segurança reprimiam os protestos. O CNE ainda não divulgou as atas que comprovam o resultado anunciado como deveria e o governo diz que o sistema sofreu um ataque de hackers. Mas proclamou a vitória de Maduro com 51,21% dos votos, contra 44% para González e 4,6% para os outros oito candidatos.

O chefe do Ministério Público da Venezuela, Tarek William Saab, qualificou os atos de protestos como terrorismo. É a narrativa de uma ditadura. Há 11 anos no poder, Maduro terá mais seis anos de mandato.

 

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postado em 31/07/2024 03:55
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