Análise

Alexandre Garcia: Maduro mostra aos ingênuos que ditador não sai no voto

"O governo brasileiro, com a imagem mundial consolidada de Lula parceiro de Maduro, teve que aderir à óbvia exigência democrática de transparência, de atas auditáveis", salienta o jornalista

 Members of the Bolivarian National Guard (GNB) riot squad ride amid tear gas at Chacao neighbourhood as opponents of Venezuelan President Nicolas Maduro take part in a demonstration, in Caracas on July 30, 2024. Venezuela braced for new demonstrations after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Yuri CORTEZ / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Members of the Bolivarian National Guard (GNB) riot squad ride amid tear gas at Chacao neighbourhood as opponents of Venezuelan President Nicolas Maduro take part in a demonstration, in Caracas on July 30, 2024. Venezuela braced for new demonstrations after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Yuri CORTEZ / AFP) - (crédito: AFP)

Ingenuidade a nossa, a dos que queríamos acreditar que um ditador pudesse submeter seu poder ao voto. Segundo a oposição, o resultado seria 73% para Edmundo González Urrutia, derrotando Nicolás Maduro, o que é corroborado pela contagem independente, de 66% para González a 31% para Maduro. Mas foi de 51,21% para Maduro, talvez um percentual tabelado por já conhecido algoritmo.

No dia das eleições, agiu a "polícia eleitoral", fechando ou abrindo lugares de votação, e boa parte das atas não foi considerada — o sistema eleitoral saiu do ar antes de chegar a 80% dos boletins de urnas. As duas candidatas mais fortes, María Corina Machado e Corina Yoris, foram tornadas inelegíveis. Enfim, tudo como se deveria esperar de uma ditadura, não houvesse a ingenuidade animada da nossa esperança.

Não há caso de ditador sair pelo voto — só há caso de ditador usar arremedo de eleições para tentar legitimar-se. Só será legítimo se tiver a permissão do povo. O prócer uruguaio dom José Artigas, no Congresso de Abril de 1813, deixou esse princípio lapidar que as crianças recebem nas escolas: "Minha autoridade emana da vontade de vocês, o povo. E cessa diante da vossa presença soberana".

Quando cessa a soberania popular, e impõe-se a vontade de um homem, seja quem for, é porque já não há democracia. Ainda que Maduro fosse derrotado, teria seis meses até a posse para inventar uma agressão da Guiana à honra da Venezuela. Um estado de guerra seria o pretexto de manter o comandante supremo Maduro no poder, já que a oposição não pretende tomar Essequibo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou como observador o seu assessor para política externa, Celso Amorim, que trata Maduro com o mesmo amor com que tratou o esquerdista Manuel Zelaya, derrubado pelo Congresso e pelo Supremo de Honduras, que se homiziou na embaixada brasileira em Tegucigalpa e a converteu num diretório político. O Itamaraty teve imenso trabalho para emitir uma nota sobre a transparência ainda não aceitável de atas, mas saudando "o caráter pacífico da jornada eleitoral".

Observadores da ONU e da União Europeia não viram essa paz. Há mortos e feridos nas ruas. Estátuas de Hugo Chávez derrubadas, cartazes de culto à personalidade de Maduro removidos. O esquerdista presidente do Chile, Gabriel Boric, postou no X algo que pode bem servir de recado para Celso Amorim.

"Exigimos que observadores internacionais não comprometidos com o governo deem conta da veracidade dos resultado". E foi fundo: "Exigimos total transparência das atas". Com a posição que levou Jair Bolsonaro à inelegibilidade, Boric postou: "Não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável".

O governo brasileiro, com a imagem mundial consolidada de Lula parceiro de Maduro, teve que aderir à óbvia exigência democrática de transparência, de atas auditáveis. Parece nossa história em 1945, na volta de nossos soldados da Itália, onde deram sangue para derrubar duas ditaduras e são recebidos no Rio por um ditador.

Bem fez a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, que aproveitou a oportunidade e cancelou a ida de técnicos da Justiça Eleitoral a Caracas. Hoje seriam cobrados e não teriam respostas. Poderiam ser atingidos pelo que está acontecendo, com o risco de parecerem fiadores do processo.

A eleição, ao contrário do que pretendia Maduro, descerrou mais a realidade que ainda era encoberta por simpatizantes de regimes totalitários — como disse Lula, "democracia relativa". O que Maduro fez mostra aos ingênuos que não há democracia na Venezuela. E que ditador não sai no voto.

 

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postado em 31/07/2024 03:55
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