Em um depoimento de quase sete horas, prestado à Polícia Federal, no Rio de Janeiro, na quarta-feira, o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem atribuiu o esquema de espionagem ilegal — a chamada "Abin paralela" — a dois ex-auxiliares: o policial federal Marcelo Araújo Bormevet e o militar Giancarlo Gomes Rodrigues. O hoje deputado federal e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro afirmou que não participou do esquema, que, segundo a PF, foi montado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Bormevet e Gomes Rodrigues foram detidos, na semana passada, na quarta fase da Operação Última Milha. Ambos tiveram as prisões mantidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após realização de audiência de custódia. No depoimento, Ramagem deu a entender que a arapongagem era feita apenas pelos dois e sem seu conhecimento.
A PF apura o esquema ilegal de monitoramento de críticos ao governo Bolsonaro, além de espionagem de autoridades públicas e jornalistas. O ex-número 1 da Abin respondeu a quase 130 perguntas feitas pelos investigadores.
Entre os questionamentos, foi indagado sobre a motivação para ter encontrado o atual diretor-geral da agência, Luiz Fernando Corrêa. O deputado afirmou que apenas esteve com o sucessor para dar felicitações em razão de ter assumido o cargo.
"Rachadinha"
Ramagem foi questionado sobre o áudio em que ele aparece em uma reunião com Bolsonaro, o general Augusto Heleno — ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin era subordinada —, e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrencbach. As duas, à época, defendiam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) contra uma investigação da Receita Federal sobre o envolvimento dele com "rachadinhas" cobradas dos servidores do seu gabinete, quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.
A reunião aconteceu em 25 de agosto de 2020. Nela, discutiram-se estratégias para sepultar a investigação dos auditores-fiscais e o uso da estrutura do Estado para se obter esse resultado. De acordo com a PF, os funcionários da Receita foram espionados pela Abin.
Segundo Ramagem disse no depoimento, Bolsonaro sabia que o encontro estava sendo registrado. Durante a reunião com as advogadas, Heleno e Bolsonaro, o então chefe da Abin teria proposto que seria preciso instaurar um procedimento administrativo contra aqueles que conduziam as apurações da "rachadinha". Ele sugeriu, inclusive, que alguns dos auditores-fiscais fossem removidos dos cargos que ocupavam. Para Ramagem, essa era a melhor maneira de estancar a investigação contra o senador.
Bisbilhotagem
De acordo com o relatório da PF, em 20 de novembro de 2020 os arapongas da Abin teriam realizado uma "ação clandestina urgente" para "descobrir podres" e "relações políticas" dos auditores. Para a corporação, o principal indício de que a ação era ilegal é que havia uma ordem para arquivar, extraoficialmente, informações coletadas contra os servidores da Receita Federal. A PF encontrou os diálogos em que Bormevet e Gomes Rodrigues tratam das pesquisas envolvendo os fiscais tributários.
O caso chegou a ser apurado em uma sindicância dentro da Abin. A PF observou que Ramagem "parece ter faltado com a verdade em seu depoimento na condição de testemunha, pois não considerou a diligência de achar podres e relações políticas com a confecção de dossiês dos servidores da Receita".
Na mesma sindicância, Ramagem foi perguntado se teria conhecimento da produção, por Bormevet, de documento para atendimento a eventual uma solicitação das advogadas de Flávio. O ex-número 1 da Abin disse "que não há possibilidade de o servidor Marcelo Bormevet ter elaborado qualquer documento para o senador Flávio Bolsonaro ou para as advogadas. Que, inclusive, as suas atribuições são relacionadas à coordenação de pesquisas para nomeações e em apoio à produção de conhecimentos para os setores da Abin, quando demandado". (Com Agência Estado)Saiba Mais
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