Na mesma viagem à Nova York em que recebeu um repasse do dinheiro oriundo da venda ilegal de joias, em setembro de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou para a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e disse que seu governo "extirpou a corrupção sistêmica" do País. Segundo a Polícia Federal (PF), que indiciou Bolsonaro por três crimes no último dia 4, o ex-presidente recebeu cerca de 30 mil dólares do general Mauro César Lourena Cid em um hotel de luxo da cidade americana.
Ao Estadão, a defesa do ex-presidente negou que o repasse citado pelo relatório final da PF tenha ocorrido. A equipe de reportagem também procurou a defesa do general Mauro César Lourena Cid, mas não obteve retorno. No último dia 8, Bolsonaro disse esperar "muitas outras correções" do relatório final da PF, após os investigadores apontarem um "erro material" que definiu o valor das joias desviadas por ele e outros indiciados.
Naquele ocasião, Bolsonaro participava da 77ª Assembleia da ONU, que ocorreu no dia 20 de setembro de 2022. No discurso, feito em plena campanha eleitoral para a Presidência, ele atacou o Partido dos Trabalhadores (PT) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por conta do escândalo da Operação Lava Jato.
"No meu governo, extirpamos a corrupção sistêmica que existia no País. Somente entre o período de 2003 e 2015, onde a esquerda presidiu o Brasil, o endividamento da Petrobras por má gestão, loteamento político e desvios chegou a casa dos US$ 170 bilhões de dólares. O responsável por isso foi condenado em três instâncias por unanimidade", afirmou Bolsonaro.
Na realidade, a PF estimou, em novembro de 2015, perdas de R$ 42,8 bilhões na Petrobras com irregularidades investigadas pela Lava Jato.
Segundo o relatório final da corporação sobre o caso da venda ilegal de joias, revelado inicialmente pelo Estadão em uma série de reportagens em março do ano passado, Bolsonaro se encontrou com Lourena Cid no mesmo dia em que fez o discurso na ONU. O general é pai do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator nas principais investigações que miram o ex-presidente. Os dois também foram indiciados pela PF.
Em depoimento aos investigadores, Lourena Cid admitiu que repassou cerca de 30 mil dólares da venda ilegal de joias no Omni Berkshire Place, um hotel de luxo em Manhattan.
"Indagado sobre como se deu o repasse dos valores decorrentes da venda dos relógios Patek Philippe e Rolex, respondeu que os valores foram repassados de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros com o ex-presidente Jair Bolsonaro; que se recorda de ter repassado ao ex-presidente Jair Bolsonar uma parte do valor, quando de sua ida à cidade de Nova lorque para um evento da ONU; que repassou os valores quando visitou o ex-presidente no hotel em que este se hospedava em Nova lorque", diz um trecho do interrogatório de Lourena Cid pela Polícia Federal.
Bolsonaro foi indicado por lavagem de dinheiro, associação criminosa e peculato
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro pela venda ilegal de joias da Presidência da República. Caso seja condenado pelos três crimes, o ex-chefe do Executivo pode pegar de 10 a 32 anos de prisão, conforme a legislação vigente no País.
Além de Bolsonaro, Lourena Cid e Barbosa Cid, foram indiciadas outras nove pessoas. Entre os nomes apontados pela PF como integrantes da organização criminosa, estão dois ex-ministros: Fabio Wajngarten, que comandava a Secretaria de Comunicação Social (Secom) e Bento Albuquerque, ex-chefe do Ministério de Minas e Energia.
No dia do indiciamento, Wajngarten afirmou, pelo X (antigo Twitter), que não violou a lei e que seu indiciamento é abusivo. "O meu indiciamento pela Polícia Federal se baseia na seguinte afronta legal: advogado, fui indiciado porque no exercício de minhas prerrogativas, defendi um cliente, sendo que em toda a investigação não há qualquer prova contra mim. Sendo específico: fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a Lei!", escreveu.
No último dia 8, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deu um prazo de até 15 dias para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se pronunciar sobre um possível oferecimento de denúncia contra os investigados. O MPF decidirá se apresenta uma acusação formal à Justiça, o que pode levar à abertura de uma ação penal no Supremo. Além disso, o Ministério Público pode solicitar mais investigações ou arquivar o caso.
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