Nas Entrelinhas

Análise: carne bovina e frango ficarão de fora da cesta básica

Hoje, estão isentos de impostos federais (como IPI, PIS e Cofins), mas a maioria dos estados, no entanto, cobra o ICMS sobre esses produtos, ou seja, a proteína animal

Entrelinhas 0507 -  (crédito: Caio Gomez)
Entrelinhas 0507 - (crédito: Caio Gomez)

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a picanha do fim de semana pode ficar mais longe da mesa da maioria dos brasileiros, após a regulamentação da reforma tributária. Hoje, a picanha custa em média R$ 59 o quilo nos supermercados. Nem a carne de segunda, o suíno e o frango, na proposta dos relatores da reforma, farão parte da lista de produtos da cesta básica com alíquota zero de tributos. Será uma derrota dos consumidores de mais baixa renda. Músculo, rabo, bucho, mocotó, pé de porco, pescoço de galinha, tudo isso pagará imposto igual ao da picanha.

O relatório do projeto de lei complementar (PLP 68/2024), que regulamenta a reforma tributária, foi apresentado, nesta quinta-feira, pelo grupo de trabalho da Câmara que analisou a proposta original do governo. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pretende votar a regulamentação na próxima semana. O grupo de trabalho apresentou o relatório e manteve a proteína animal com uma isenção de 60%, como originalmente havia sido encaminhada pelo governo.

Na terça-feira, Lula defendeu a inclusão da carne na cesta básica: "Eu acho que temos que fazer diferenciação. Você tem vários tipos de carne, tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que o cara que consome pode pagar um impostozinho. Agora, você tem outro tipo de carne, que é a carne que o povo consome. Frango, por exemplo, não precisa ter imposto. Frango faz parte do dia a dia do povo brasileiro, ovo faz parte do dia a dia. Uma carne, sabe, um músculo, um acém, coxão mole, tudo isso pode ser evitado".

A argumentação de Lula não colou, os técnicos dizem que é impossível fiscalizar o corte da carne, que a diferença entre a picanha e o coxão seria apenas a forma de cortar. O grupo de trabalho também argumentou que a medida traria impactos na alíquota de referência do IVA, que é 26,5%. O peso dos impostos sobre as carnes, de uma forma geral, está em 12,7% atualmente (considerando o ICMS estadual e, também, resíduos tributários, ou seja, impostos sobre impostos).

Com a tributação parcial instituída pela reforma tributária, que cobrará impostos não cumulativos, a área econômica avalia que o peso desses tributos cairá para 10,6%. A solução proposta pelo grupo de trabalho seria criar o cashback para a população de baixa renda receber o imposto de volta. O povo nem sabe o que é isso. A burocracia seria muito maior do que a da fila dos aeroportos, quando se recebe de volta parte dos impostos cobrados, mas é melhor que nada. Segundo o deputado Cláudio Cajado, nunca houve tarifa zero. A carne bovina e a de frango continuariam na cesta básica com taxação parcial (alíquota de 40% do total).

Hoje, a carne bovina e o frango estão isentos de impostos federais (como IPI, PIS e Cofins), mas a maioria dos estados, no entanto, cobra o ICMS sobre esses produtos. Esses tributos serão substituídos, nos próximos anos, pelo IBS e pela CBS, impostos sobre o valor agregado dos estados, municípios e da União. Por isso, a regra está sendo rediscutida. Pela proposta de emenda à Constituição (PEC), cinco tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — com legislação única, sendo um gerenciado pela União e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios.

Armas mais baratas

São a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com gestão federal, que unificará IPI, PIS e Cofins; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada com estados e municípios, que unificará ICMS (estadual) e ISS (municipal). Além da CBS federal e do IBS estadual e municipal, será cobrado um imposto seletivo (sobre produtos nocivos à saúde) e um IPI sobre produtos produzidos pela Zona Franca de Manaus, mas fora da região com benefício fiscal.

Pela reforma tributária, cada empresa pagará somente o valor que lhe couber na produção, obtendo crédito pelos insumos utilizados. Para manter a atual carga tributária, considerada elevada, todos os impostos somariam cerca de 26,5%, o que já é uma das maiores do mundo. Quando um segmento é diretamente beneficiado pela redução dos impostos, para a conta fechar, a diferença repercute na alíquota geral.

Absorventes, tampões higiênicos e coletores menstruais foram beneficiados com a tarifa zero; Bets e os carros elétricos foram incluídos no Imposto Seletivo, o "imposto do pecado", ao lado do cigarro, bebidas (com taxação proporcional ao teor alcoólico), iates e lanchas. Entretanto, os caminhões elétricos ficaram de fora. As armas também foram excluídas do imposto especial. Hoje, a alíquota do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) das armas de fogo é equivalente a 55%, as munições têm taxação de 25%. Com a reforma, esses produtos serão taxados de acordo com a alíquota geral, estimada em 26,5%.

"Armas foi um debate que tivemos na emenda constitucional. A gente ia constitucionalizar o imposto seletivo nas armas, mas nós (governo) perdemos", destacou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), relator da reforma, ao apresentar as propostas. O petista, porém, não descartou a elevação do imposto sobre armamentos por meio de emenda em plenário. Com mais de 300 páginas, o relatório foi negociado pelo grupo de trabalho com a equipe econômica e os grupos empresariais envolvidos, mas a Câmara ainda pode fazer mudanças na próxima semana. O Senado dará a palavra final, porque a tramitação começou por lá e terá que voltar para aprovação dos senadores.

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 05/07/2024 03:55
x