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CENÁRIO POLÍTICO

Análise: Lula versus Lula

A história nos ensina que o retorno dos políticos ao poder é quase sempre uma maldição. Mas o empenho de Lula em atrapalhar seu novo governo é um mistério

O atual governo Lula tentou o equilíbrio via aumento de impostos. Este caminho chegou ao limite e agora é preciso voltar-se para alguma redução das despesas -  (crédito: pacifico)
O atual governo Lula tentou o equilíbrio via aumento de impostos. Este caminho chegou ao limite e agora é preciso voltar-se para alguma redução das despesas - (crédito: pacifico)

Todos os governos normais buscam a estabilidade econômica. Nos momentos de instabilidade, os principais preços da economia se tornam incertos e tanto as empresas quanto as pessoas suspendem ou adiam suas decisões de investir e de consumir, o que naturalmente diminui o ritmo de atividade e o próprio crescimento futuro. Portanto, qualquer que seja a orientação política do governo, a primeira missão de um governante é contribuir, pelas palavras ou pelo silêncio, para garantir o maior nível possível de estabilidade ou, na linguagem dos mercados, a ancoragem das expectativas.

Algumas fontes de instabilidade estão fora do controle dos governos, como é o caso das crises financeiras internacionais, dos conflitos armados e dos eventos climáticos. Lidar com essas crises já exige muita competência e muitos recursos. Mesmo para quem gosta de emoção, não há nenhuma necessidade de provocar novas causas de imprevisão e incerteza no plano econômico. Por isso, são cada vez mais incompreensíveis os últimos movimentos e discursos do nosso presidente. Por cansaço ou por falta de entendimento, cada palavra de Lula adiciona mais incerteza e mais pessimismo na economia, sem nenhum propósito.

Veja-se seu antagonismo com o Banco Central. Ele não se conforma com o fato de ter que conviver dois anos com um presidente do Banco Central nomeado por seu antecessor, quando esta é exatamente a ideia da autonomia. Políticas de juros e de estabilidade não são matérias para serem decididas em praça pública. Seu sucessor também terá que conviver dois anos com dirigentes indicados por ele. Ao chamar de adversário político o atual chefe do Bacen, comete no mínimo uma injustiça, por não se lembrar de que, no ano de 2022, em pleno processo eleitoral, este mesmo Bacen elevou os juros de 9,25% para 13,75%, enquanto de 2023 até agora diminuiu os juros dos 13,75% para 10,50%. Qual o objetivo de toda esta arenga senão causar tumulto e buscar culpados?

Ninguém gosta de juros altos, mas reduzi-los por meio de comícios seria o pior caminho. Afinal, ficamos livres da inflação graças ao Plano Real, que agora faz 30 anos, aprovado pelo Congresso apesar da oposição e dos discursos contrários do PT e de Lula. Esta é nossa melhor conquista e o maior avanço na proteção da renda da população mais pobre. Colocar isso em risco é uma irresponsabilidade.

Os juros estão altos por muitas razões e uma delas, não a única, é a questão fiscal. O desequilíbrio das contas públicas não é um fato de hoje. Vem de longe e foi agravado pela Constituição de 1988 e os governos do PT de 2010 até 2016. O atual governo Lula tentou o equilíbrio via aumento de impostos. Este caminho chegou ao limite e agora é preciso voltar-se para alguma redução das despesas.

Por uma razão difícil de compreender, Lula, em oposição à sua própria equipe econômica, tem adotado uma atitude defensiva, até mesmo negacionista, nesta questão. Todos sabemos que os políticos, quando acuados, não gostam de chamar as coisas pelos seus próprios nomes, mas, ao dizer que a maioria dos gastos no nosso Orçamento não são gastos, mas investimentos, Lula se superou, porque, de todos os gastos da União, menos de 2% são realmente investimentos.

Cortar os gastos atuais da União não é apenas um imperativo econômico, mas principalmente um ato de justiça, pois todos sabemos como o Orçamento está capturado por interesses que não são os da maioria da população. Se continuarmos com os atuais desequilíbrios, os juros continuarão elevados e o endividamento crescente vai pressionar a inflação e prejudicar o crescimento.

O que mais impressiona nas posições de Lula quanto ao Orçamento é que sua oposição aos cortes é praticamente desnecessária, pois já existe uma coalizão poderosa para manter as despesas públicas como estão. Talvez o problema fiscal não causasse tanta ansiedade, não fossem os discursos do presidente. A história política nos ensina que o retorno dos políticos ao poder é quase sempre uma maldição. Mas o empenho de Lula em atrapalhar seu novo governo permanecerá por muito tempo como um mistério.

 

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Roberto Brant
postado em 01/07/2024 06:03
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