Lisboa — Em uma plateia repleta de autoridades dos Três Poderes, no Fórum de Lisboa, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino defendeu a atuação da corte, deixando claro que o tribunal não pode se furtar de responder às demandas que chegam por meio de processos judiciais. O magistrado até ironizou, dizendo que nunca viu um ministro sair correndo pela Praça dos Três Poderes para pegar um processo e levar ao prédio da corte e ser julgado. "O problema é que quando as situações conflituosas caminham por aquela praça e não encontram outra porta, acham o prédio do Supremo mais bonito, a rampa é menor, e lá eles entram. E lá chegando, nós não podemos jogar os problemas no mar ou no Lago Paranoá, e nós não podemos prevaricar, e é por isso que o STF 'se mete' em muita coisa."
"O debate que ressurgiu, a meu ver de modo atípico, é acerca da legitimidade do Poder Judiciário em face das regras da democracia. O mesmo padrão qualitativo de legimitidade democrática que marca os poderes políticos do Estado está presente no Poder Judiciário. São legitimidades de diferentes naturezas, mas não são hierarquizadas. Uma deriva da delegação direta da soberania popular, a outra deriva dos critérios eleitos pela democracia moderna, em que a constituição reveste o Poder Judiciário de legitimidade própria e de igual patamar em relação aos poderes políticos do Estado. Esse tema vem sendo fortemente questionado naquilo que é a ideia da judicialização da política como sendo algo evitável, negativo ou fruto de um voluntarismo individual deste ou daquele magistrado. Assim não o é, é um imperativo constitucional", destacou o ministro, na fala em que apresentou nove teses para sustentar sua exposição no painel Jurisdição constitucional e separação de Poderes.
Para ele, o que chama de "ultrademandismo" do sistema de Justiça é reflexo de uma era de extremismos, que coloca em xeque a funcionalidade e a eficiência da política. "Esse colapso corresponde ao ultrademandismo por sobre o sistema de justiça, entre os quais a jurisdição constitucional. Isso significa dizer que ativismo judicial é de ontem, é de hoje, é de amanhã. É como a Lei da Gravidade", disse, e emendou com ressalva ao uso da inteligência artificial. "É irrevogável, pelo menos no nosso tempo, até que uma máquina substitua os ministros da Suprema Corte. Essa é uma utopia que eu espero não ver."
Ainda assim, Dino reforçou a importância de não radicalizar os conceitos. "Não é verdade que o ativismo é sempre do bem e não é verdade que a autocontenção é sempre do mal e vice-versa. Quem procura absolutizar essas questões esquece passagens como a era Lochner, na Corte Suprema dos Estados Unidos, em que o ativismo vinha para impedir os direitos dos mais pobres, e deixa de lembrar passagens do nosso Supremo em que a autocontenção permitiu que uma brasileira grávida fosse entregue aos nazistas", afirmou, citando o caso de Olga Benário, deportada grávida para a Alemanha e entregue aos campos de concentração nazistas, onde foi assassinada nas câmaras de gás.
O ministro Cristiano Zanin participou, na sequência, do painel Arranjos institucionais de persecução e controle no Estado democrático, ao lado do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e do advogado-geral da União, Jorge Messias. A expectativa, agora, é pela apresentação de Alexandre de Moraes, que assistiu às palestras iniciais do dia na primeira fileira do auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, que participou de painel sobre inteligência artificial ontem, também esteve presente.
Tentativa de golpe na Bolívia e ataques ao STF
A tentativa de golpe de Estado na Bolívia, na quarta-feira (26/6), também foi mencionada pelo ministro Flávio Dino durante a participação no painel do Fórum de Lisboa. O magistrado reforçou o papel da jurisdição constitucional na defesa da democracia contra as investidas golpistas. "Na Bolívia houve uma tentativa de insurreição contra as regras constitucionais, e isso mostra que nós temos uma necessidade insubstituível de que a jurisdição constitucional cumpra o seu papel de defesa contra as investidas antidemocráticas. Esse é um compromisso fundamental. A tese número 1, portanto, é essa: a jurisdição constitucional é fundamental para proteger a sociedade das investidas antidemocráticas, seja aquelas marcadas pelo uso aberto da força, seja por aquelas tentativas chamadas doutrinariamente de constitucionalismo abusivo, no caso brasileiro, que é uma espécie de disfarce. É um golpismo disfarçado por um suposto discurso constitucional", pontuou Dino.
O ministro do STF também relembrou os ataques que a Corte sofreu e frisou que as decisões dos ministros, mesmo que monocráticas, encontram respaldo de todo o colegiado. "As agressões ao Supremo Tribunal Federal no Brasil e a alguns de seus membros em particular, entre os quais o ministro Alexandre de Moraes. Sempre realço aquilo que aprendi com a ministra Rosa Weber, a minha ilustre antecessora, o Alexandre, o Gilmar e outros colegas do Supremo fazem o que fazem porque eles são a expressão do colegiado. Se enganam e erram gravemente aqueles que imaginam que se tratam de atos individuais. São atos do colegiado, respaldado por todo o Tribunal", afirmou.
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