Nas Entrelinhas

Análise: Campos Neto virou o bode na sala de Lula

O presidente do BC não quer dar continuidade à redução da taxa de juros porque há incertezas no mercado internacional e a economia brasileira está muito aquecida

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no "bode na sala" das contas públicas. Em entrevista à rádio CBN, afirmou que o comportamento do banco é a única coisa "desajustada" na economia do país. E comparou Campos Neto ao ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR), que o condenou na Lava-Jato, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), indevidamente. Lula disse que Campos Neto tem "lado político" e não demonstra "autonomia".

O ataque de Lula acirra o conflito entre os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom), que vai decidir a nova Selic em reunião iniciada nesta terça-feira, com a suposta intenção de interromper a redução continuada da taxa de juros, hoje em 10,5%. A expectativa do mercado é de que a taxa realmente seja mantida, em que pese a insurgência de Lula. A redução dos juros foi iniciada de forma gradativa em agosto de 2023.

"Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil neste instante, é o comportamento do Banco Central, essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que ajudar, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está", disse Lula. Na última reunião do BC, a intenção de interromper a redução dos juros foi aprovada por 5 a 4, com o voto de desempate de Campos Neto.

Nas últimas semanas, Lula vem sendo muito criticado por não realizar cortes de despesas do governo e pelas tentativas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de aumentar a arrecadação com extinção de isenções fiscais e aumento de impostos. As críticas dos agentes econômicos encontraram eco no Congresso, cuja maioria impôs várias derrotas ao presidente Lula. O maior contencioso ainda são as desonerações da folha de pagamento de 17 setores e dos pequenos municípios, cujo veto foi derrubado, mas o governo conseguiu manter, por meio de decisão do STF.

As derrotas no Congresso coincidiram com a aproximação entre o presidente Campos Neto e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR), que está sendo incensado pelo empresariado paulista para se candidatar à Presidência contra Lula, em 2026. O presidente do Banco Central demonstrou certa simpatia pela ideia, ao admitir a possibilidade de ser ministro da Fazenda de um eventual governo de Tarcísio, o que o colocou em franca oposição ao governo, alinhado com as forças de oposição liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que o indicou para o cargo.

Inflação

Foi por essa razão que Lula abriu o verbo contra Campos Neto: "O que é importante saber é a quem esse rapaz é submetido. Como que ele vai para uma festa de São Paulo quase que assumindo um cargo no governo de São Paulo. Cadê a autonomia dele? Então, eu trato com muita seriedade, muita seriedade, vou escolher um presidente do BC que seja uma pessoa que tenha compromisso com o desenvolvimento deste país, controle da inflação, mas que também tenha na cabeça que a gente não tem que pensar só no controle da inflação, nós temos que pensar em uma meta de crescimento, porque é o crescimento econômico, da massa salarial que vai permitir a gente controlar a inflação".

Roberto Campos Neto foi homenageado com uma festa pelo governo de São Paulo cujo objetivo era mesmo projetá-lo politicamente. Comentando o evento, Lula disse que Tarcísio considera maravilhosa a taxa de juros de 10,5% e, no embalo, comparou o presidente do BC a Moro, que deixou o cargo de juiz federal de Curitiba para ser ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro: "O presidente do BC está disposto a fazer o mesmo papel que o Moro fez? Um paladino da Justiça, com rabo preso a compromissos políticos? Então o presidente do BC precisa ser uma figura séria, responsável e ele tem que ser imune aos nervosismos momentâneos do mercado", disparou.

Lula aproveitou a oportunidade para mandar recado para os líderes empresariais que criticam o governo, principalmente os do agronegócio. Disse que o governo está passando a limpo o orçamento do governo: "A gente discutindo corte de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões aqui e, de repente, você descobre que tem R$ 546 bilhões de benefício fiscal para os ricos neste país, como é que é possível? Você pega, por exemplo, a Confederação da Agricultura, que tem uma isenção de quase R$ 60 bilhões, pega setor de combustível que tem isenção de quase R$ 32 bilhões, ou seja, você vai tentar jogar isso em cima de quem? Do aposentado? Do pescador? Da dona de casa? Da empregada doméstica? Então quero discutir com seriedade".

Lula está inconformado com o fato de que a inflação acumulada deste ano está em 2,27 %, bem abaixo da meta, embora a inflação dos últimos 12 meses seja de 3,93%. Campos Neto não quer dar continuidade à redução da taxa de juros, a pretexto de que existem incertezas no mercado internacional por causa da política de juros do FED, o banco central norte-americano, e porque a economia brasileira está muito aquecida, com a redução do desemprego e o aumento da renda.

 

 

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