ELEIÇÕES

Disputa local aquece o cenário eleitoral nacional neste ano

Com Lula e Bolsonaro envolvidos diretamente na pré-campanha nas principais capitais, o embate promete ser uma repetição de 2022, na qual candidatos tratarão de assuntos que, muitas vezes, nem são de competência das prefeituras

As eleições municipais deste ano, que se avizinham, prometem uma ligação maior com o cenário nacional do que os pleitos anteriores. Embora a disputa pelas prefeituras costume envolver mais as demandas das próprias cidades, o embate entre dois projetos — e cabos eleitorais — de peso na política nacional já embasa a estratégia dos pré-candidatos.

O apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro serão fatores essenciais na disputa, pelo menos nas maiores cidades. Os dois já montaram palanques antecipados nos municípios tidos como prioridade, respeitando — ou não — as regras da pré-campanha.

A maior parte das viagens de Lula até agora se concentrou no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os três maiores colégios eleitorais. Na capital paulista, ele subiu no palanque com o deputado Guilherme Boulos (PSol-SP), pré-candidato a prefeito, e chegou a pedir votos durante solenidade do Dia do Trabalhador, o que gerou denúncias sobre campanha antecipada — na prática, pedir votos explicitamente é a única coisa proibida nesses eventos. Em Araraquara, também em São Paulo, o presidente também exaltou o seu aliado antigo Edinho Silva, prefeito da cidade, que tenta eleger o sucessor.

Dentro do PT, a estratégia é incluir os feitos do governo Lula nas campanhas municipais. A legenda vê uma oportunidade para recuperar a perda da última eleição, em 2020, quando não conseguiu eleger prefeitos em capitais pela primeira vez desde a redemocratização. O total de prefeituras também atingiu o menor nível em 16 anos, com 183 municípios.

Para o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), pré-candidato à prefeitura de Belo Horizonte, a estratégia petista de ligar os candidatos ao presidente Lula envolve demarcar o projeto político de esquerda, mas também passa por atender aos interesses dos municípios.

"Isso não basta. Tem muita coisa que precisa ser feita nas cidades que necessitam de apoio do governo federal. Infraestrutura, obras do Novo PAC. O que vão conseguir brigando com o governo? Querendo ou não, ter uma boa relação ajuda as cidades", disse.

Ele avalia ainda que, apesar de o bolsonarismo ainda ter muitos apoiadores, a tendência é que perca força com o desenrolar das investigações em que está envolvido, como a suspeita de ter tentando vender joias de propriedade da Presidência da República e de fraudes no cartão de vacinas de membros da sua família. "O Bolsonaro deve ser indiciado aí nos próximos dias por conta das joias. Até outubro ele vai estar enfraquecido, isso se não estiver preso já. Acho que muitos bolsonaristas vão ficar até encalacrados de defendê-lo nas eleições", frisou.

Cabo eleitoral

Bolsonaro também mantém intensa agenda de viagens para as cidades estratégicas. No Rio de Janeiro, participou do lançamento da candidatura do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que disputa a prefeitura carioca. Na sexta-feira, ele se reuniu com o atual prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e reforçou seu apoio. "Continuo fechado com o Ricardo Nunes. Meu nome, espero que seja usado para os candidatos do meu partido ou dos partidos aliados que estejam nos apoiando", declarou na ocasião.

Em maio, ele também participaria do lançamento da pré-campanha de Bruno Engler (PL) à Prefeitura de Belo Horizonte, mas cancelou a viagem para tratar erisipela, infecção na pele causada por bactérias. Engler adiou o lançamento e disse esperar uma nova oportunidade para a visita do ex-presidente. A expectativa é que Bolsonaro retome em breve a agenda de viagens. O PL espera conquistar mil prefeituras na disputa, e o ex-presidente participa diretamente da articulação, inclusive, na escolha dos nomes lançados — ou apoiados — pelo partido.

O líder da oposição na Câmara, deputado Filipe Barros (PL-PR), avalia que a nacionalização é uma demanda dos próprios eleitores, e que o pleito será a "antessala" para a disputa nacional em 2026. "Vemos um movimento cada vez mais consolidado do eleitor querendo saber dos hoje pré-candidatos se eles estão alinhados com os princípios e valores da direita, ou se ainda acreditam no lulopetismo", explicou o parlamentar.

Ele chegou a se lançar como pré-candidato à prefeitura de Londrina, mas a legenda acabou fechando acordo para apoiar o deputado estadual Tiago Amaral (PSD). Para ele, pelo menos nas cidades grandes, os candidatos precisarão equilibrar os cenários nacional e municipal. "As pautas locais, digamos, devem "disputar espaço" com as questões nacionais, em uma equação desafiadora para os pré-candidatos de todos os espectros político-ideológicos", pontuou.

Grandes cidades

Analistas apontam que o cenário nacional de disputa entre Lula e Bolsonaro, e seus respectivos projetos, acabará forçando os candidatos municipais em algumas cidades a tratar de temas que, normalmente, não seriam pautados nos municípios. "A gente sabe que não existe só os problemas locais em discussão, mas essas pautas acabam ganhando adesão de grupos organizados nesses locais", disse a professora de ciência política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Luciana Santana, citando as cidades de maior porte, como Fortaleza, Porto Alegre e Recife.

Ela ressalta, porém, que a maioria dos municípios brasileiros, que são de pequeno porte, não seguem essa lógica, e possuem arranjos políticos que nem sempre fazem sentido para quem olha só o cenário nacional. "Tem até casos de pessoas do PL que podem estar próximas a pessoas do PT", relatou. Apesar da disputa polarizada, Luciana também destaca que os grandes vencedores do pleito devem ser as legendas do Centrão, que possuem grande capilaridade nos municípios menores. "A gente olha muito para Lula e Bolsonaro agora, mas se a gente olha para o Congresso, os embates envolvem pautas que agradam muito mais ao Centrão e estão dando visibilidade."

O advogado e cientista político Nauê Bernardo também acredita que os candidatos serão forçados a tratar também das pautas nacionais, sobre temas que, muitas vezes, nem são de competência das prefeituras. "De forma a convencer aquele eleitor que hoje se vê em meio a esse turbilhão de notícias a respeito do cenário nacional. E também não ficar atrás nos discursos ideológicos, de costumes, que muitas vezes nada têm a ver com a resolução ou não de problemas locais", disse o analista.


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