O movimento contra o Projeto de Lei (PL) 1.904/2024, que prevê aumento da pena para aborto e limita o acesso de meninas e mulheres vítimas de estupro ao procedimento, cresceu em todo o país e forçou o governo a tomar uma posição sobre o assunto.
Mais de 30 horas após a votação relâmpago do requerimento de urgência para o PL, no plenário da Câmara, e ante a pressão causada pelas manifestações nas ruas e nas redes sociais, integrantes do governo resolveram quebrar o silêncio. A posição mais contundente partiu da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. Em postagem no X (antigo Twitter), ela disse ser preocupante a tramitação do texto sem a devida discussão nas comissões temáticas da Casa.
"Os propositores do PL parecem desconhecer as batalhas que mulheres, meninas e suas famílias enfrentam para exercer seu direito ao aborto legal e seguro no Brasil", escreveu Janja. "Isso ataca a dignidade das mulheres e meninas, garantida pela Constituição Cidadã. É um absurdo e retrocede em nossos direitos", enfatizou.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, se esquivou de comentar o tema. Ao ser questionado por jornalistas ao sair da 112ª Conferência anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Suíça, se limitou a dizer que vai "voltar ao Brasil" e "tomar pé da situação" antes de emitir um posicionamento. O retorno do chefe do Executivo ao país está previsto para este sábado, às 20h. Ele já admitiu, no entanto, que o governo não tem força no Congresso para bater de frente com a oposição em pautas de costume.
Logo após a aprovação da urgência para o PL, os únicos integrantes do governo que reagiram foram o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que reprovaram o texto. A base articuladora do Planalto no Congresso se calou ou minimizou o projeto.
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No início da semana, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, comentou que pautas de costumes não deveriam estar no centro do debate na Câmara, já o líder do governo na Casa Baixa, José Guimarães (PT-CE), sinalizou que projetos desse teor não eram prioridade do Executivo. Com a manifestação contrária à proposta, que se tornou o assunto mais comentado nesta sexta-feira nas redes sociais, e a e as declarações de Janja interlocutores de Lula tiveram de ajustar o discurso.
Padilha disse nesta sexta-feira que o texto é uma "barbaridade". "Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto do país, ainda mais para um projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior do que o estuprador", afirmou. "Não contem com o governo para essa barbaridade. Reforçar isso com os líderes. Vamos trabalhar para que um projeto como esse não seja votado."
A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, também condenou o projeto. Evangélica, ela afirmou ser contra o aborto, mas sustentou que o PL é "desrespeitoso e desumano com as mulheres".
Críticas partiram, ainda, do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA): "É bom alertar a população que algumas dessas pautas do Congresso que são trazidas pelo grupo vinculado ao ex-presidente da República tem muito mais a função de criar um escândalo mentiroso para tentar fazer a luta política em cima de temas que são muito caros".
No Supremo Tribunal Federal (STF), onde iniciou-se o debate que resultou no projeto proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, afirmou que o tema é de atribuição do Legislativo. "Se e quando a matéria chegar ao Supremo, eu vou opinar sobre isso", frisou.
Mobilização
Diante da falta de apoio ao governo no Congresso e da inércia do Palácio do Planalto, parlamentares da esquerda recorreram aos movimentos sociais para combater o PL.
Na quinta-feira, houve protestos em várias capitais pelo país, como Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Porto Alegre e São Luís. Para este fim de semana, há mais manifestações agendadas. Neste sábado, às 15h, está marcada uma concentração em São Paulo. Neste domingo, o protesto ocorre em Vitória e, na segunda-feira, no Recife. Essas mobilizações foram encabeçadas, principalmente, por deputados do PSol.
Se de um lado parte da sociedade se mobiliza para derrubar o projeto, de outro a bancada evangélica pressiona o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para votar o texto nos próximos dias.
"Em torno desse projeto existe acordo feito entre os líderes. A esquerda está desvirtuando o espírito da lei, inventando um argumento de que esta penalizando a vítima do estupro e impedindo o aborto. O que não é verdade", disse o deputado Paulo Bilynskyj, um dos 32 coautores da proposta. Na avaliação do parlamentar, a mobilização social e midiática não deve ter impacto na votação.
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