SUSTENTABILIDADE

Governador do Piauí aposta no estado como potência mundial de energia verde

Chefe do Executivo local acredita no potencial do estado na transição energética. Ele destaca o projeto como a maior bandeira de sua gestão e afirma que conta com o apoio de Lula para investimentos na agenda sustentável

Para transformar o Piauí em uma potência da transição energética, o governador do estado, Rafael Fontele (PT), tem apostado alto. O objetivo é usar o excedente de geração solar e eólica da região para produzir o hidrogênio verde que, segundo ele, poderá se tornar o espaço de produção do planeta. Essa discussão também esteve presente na 1ª Conferência Internacional das Tecnologias das Energias Renováveis (Citer), realizada em Teresina. O chefe do Executivo local conta com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para investir nos projetos sustentáveis. "O Piauí não é uma ilha, ele está no contexto nacional, mas eu acredito que a transição energética já é uma bandeira de Estado. O presidente Lula, ainda bem, defende isso com toda a força e tem sido um ator global relevante", disse ao Correio.


O senhor defende tornar o Piauí em protagonista do hidrogênio verde. Esse é um projeto ousado, certo?

Esse é o objetivo do nosso governo. O estado é uma referência em energias renováveis. É o terceiro maior produtor de energia solar do Brasil. O próximo passo é tornar o estado uma referência no hidrogênio verde. A nosso ver, o hidrogênio de baixo carbono, especialmente o verde, será o principal vetor, o principal combustível na matriz que substituirá o combustível fóssil na indústria de uso intensivo de energia e ao transporte pesado. Como o Piauí reúne condições naturais especialíssimas em níveis globais, inclusive institucionalmente, como a Investe Piauí que tem feito esse trabalho proativo de acompanhar estes investidores que chegam ao estado, acreditamos que seremos o maior hub [espaço] de produção de hidrogênio verde do planeta. Temos outros atrativos, além da condição de sol e de vento abundantes, temos água abundante e uma ZPE em funcionamento. São só duas em operação no Brasil.

O que significa ZPE?

São as Zonas de Processamento de Exportação, regiões econômicas especiais que têm vantagens tributárias. Há uma desoneração muito expressiva da planta industrial. Além disso, o nosso país também tem uma série de vantagens como uma matriz elétrica de 80% renovável. No caso do Piauí, temos 100% da matriz limpa. Isso vai atrair investidores e vai industrializar o nosso estado da melhor forma possível, em linha com o que o mundo espera. Estou muito entusiasmado com essa agenda. É um compromisso prioritário do nosso governo.

Em 2023, aconteceu um apagão que, inicialmente, foi atribuído a muita energia solar e eólica — que é intermitente. Como o Piauí pretende fazer para que os apagões não ocorram?

Ainda está em estudo para apurar qual foi a causa desse apagão naquele período, mas o fato da rede do Brasil ser integrada é o que nos dá uma vantagem competitiva. Ainda que a usina solar e eólica tenha uma produção intermitente, o mix das energias solar, eólica e hidráulica, principalmente, essa combinação garante o fornecimento de 24 horas por dia. O fato dela ser integrada garante a possibilidade da compra de energia de diferentes usinas em diferentes estados. Temos dois projetos gigantescos de hidrogênio com decisão de investimento no Piauí. Acreditamos que, no próximo ano, teremos o início da construção desses projetos, mas que são faseados até porque as plantas previstas são, até em termos globais, inéditas no tamanho. Mas, temos muita convicção que vai se tornar uma realidade muito em breve gerando muitos empregos, ampliando a contribuição do Piauí e do Brasil na transição energética com o hidrogênio verde.

O Piauí consegue prosseguir nesse projeto sozinho sem mudar a linha política do governo federal sobre o tema?

O Piauí não é uma ilha, ele está no contexto nacional, mas eu acredito que a transição energética é uma bandeira de Estado. O presidente Lula, ainda bem, defende isso com toda a força e tem sido um ator global relevante. O Brasil está fazendo o dever de casa, mas podemos ainda ser mais rápidos tendo uma legislação, como a que está prestes a ser aprovada no Congresso, do marco legal de hidrogênio verde, entre outras. Infelizmente, temos diversas vantagens pelo legado desse sistema energético que temos hoje, integrado e verde. Somos competitivos para essa nova fase da transição, graças a Deus temos esse alinhamento com o governo federal que acelera nosso processo. Independente disso, acredito que a sociedade e as instituições estão maduras o suficiente para garantir a continuidade desta política nos próximos anos. Essa matriz limpa e o sistema integrado foram gerados ao longo de vários governos, de partidos distintos, essa é uma vocação natural do Brasil.

O Brasil acabou retrocedendo nessa pauta?

Aconteceu um retrocesso em várias políticas públicas, mas se olhar o avanço da energia renovável, continuou, em uma velocidade menor. O governo é um agente relevante, não é único, tem as instituições, as empresas. Várias oportunidades podem ter sido perdidas ou retardadas, mas a direção continuou acontecendo. Tivemos parques eólicos, parques solares que continuaram acontecendo, mas os leilões de transmissão, que ficaram em segundo plano, agora voltaram com força total.

Como o senhor avalia a situação do governo Lula sem base no Congresso?

Esse é o principal desafio, o presidente Lula não foi eleito com maioria no Congresso e conquistar essa maioria é mais desafiador do que já ser eleito com essa base majoritária, como foi o nosso caso. A nossa bancada de deputados (estaduais) é de 22, dos 30 eleitos, isso facilita o entendimento com o parlamento. Quando você não tem esse entendimento, há muito mais dificuldade em governar, de implantar uma agenda, é um desafio muito grande e, obviamente, torcemos para que haja cada vez mais harmonia entre o Executivo e o Legislativo, isso vai acelerar a transformação social e econômica que o nosso presidente está fazendo.

O senhor vê a criação do consórcio de estados do Sul e Sudeste como uma ameaça para o Nordeste?

Pelo contrário, eu acho que eles aprenderam com o Nordeste. Os sudestinos e sulistas aprenderam com os nordestinos que é importante cooperar regionalmente, dividir as melhores práticas, lutar juntos pelos mesmos interesses da região. Eu defendo que esses consórcios regionais formem alianças nas pautas que são relativas a todos. Temos vários temas que são de todos os estados do Brasil, de todas as regiões. Em alguns momentos há visões diferentes, mas em outros tempos a mesma visão. Esse exercício do federalismo cooperativo é fundamental. Que bom que os estados do sul e do sudeste se consorciam, assim como o Nordeste fez anteriormente.

A reforma tributária deve beneficiar mais o Piauí pela mudança da tributação da origem para o destino…

A fase de maior disputa federativa aconteceu no momento da emenda, a maioria dos governadores se posicionaram favoravelmente. Na minha visão, todos os estados se beneficiaram. Alguns podem se beneficiar mais como você citou, com a transição da origem para o destino, pois os estados que são mais consumidores do que produtores se beneficiam mais, mas, por outro lado, não tem mais a guerra fiscal, que é um mecanismo que pode ter funcionado em algum momento, mas depois parou de ter eficácia. Agora tem um fundo de desenvolvimento regional, que gerou uma nova disputa, sobre o tamanho do fundo e como distribuí-lo. O que se discute agora é mais ligado a setores econômicos e a operacionalização do tributo. Ainda é desafiador, mas é muito mais simples que a emenda constitucional.

Sem incentivos da guerra fiscal, como o Piauí vai atrair empresas?

Estamos conseguindo atrair sem a guerra fiscal porque há outras vantagens comparativas. A questão tributária era uma, mas esse modelo se esgotou porque todos os estados estavam dando os mesmos incentivos. Se todos os estados dão os mesmos incentivos, não há competitividade adicional, o modelo se esgotou. Vamos ter que aprender a fazer a atração com a qualificação da mão de obra, com um ambiente de negócios mais favorável, com o Fundo de Desenvolvimento Regional, inclusive, subvencionado com infraestrutura ou mesmo com participação em alguns setores.

Qual o projeto para 2026?

Eu estou muito focado em fazer uma gestão de muitas entregas, que cumpra tudo aquilo que colocamos no programa de governo. Valorizo esse aspecto do planejamento, da gestão, da execução, e aprendendo também a parte política, a comunicação com a sociedade, com os líderes, e a política partidária também. Se a gente atingir essas metas, o caminho natural a pré-candidatura à reeleição, mas isso só vai ser avaliado em 2026, quando pudermos fazer uma retrospectiva, se o Piauí avançou na renda média per capita, na geração de empregos formais, se melhoramos no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e nos índices da segurança pública. Eu quero, no final da gestão, ter o Piauí em um patamar de renda média per capita muito mais elevado do que o que tem e chegar na melhor educação do Brasil. Além disso, temos uma grande meta do ponto de vista dos setores econômicos, ser essa referência na transição energética, na agroindústria no sul do estado e ser a sociedade mais digital do país.

* O repórter viajou ao Piauí a convite da Citer

 


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