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Nas entrelinhas: "Brasileiro, profissão esperança" continua em cartaz

"A posição ambígua do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao equilíbrio fiscal ajuda a tecer o arco de oposição ao governo, que inclui parcela expressiva da classe média e a maioria do empresariado"

PRI-2006-ENTRELINHAS -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2006-ENTRELINHAS - (crédito: Maurenilson Freire)

O musical Brasileiro, profissão: esperança foi uma lufada de ar fresco no ambiente carregado dos anos de chumbo do regime militar. Desde então, o espetáculo criado por Paulo Pontes, talentoso e jovem dramaturgo, foi encenado várias vezes, em versões com Maria Bethânia e Ítalo Rossi (1971), Clara Nunes e Paulo Gracindo (1973) e Bibi Ferreira, viúva de Paulo Pontes, e Gracindo Jr. (1998). A mais recente foi a de Claudia Netto e Claudio Botelho, no Teatro Clara Nunes, em 2021, que comemorou os 50 anos do espetáculo.

O texto de Paulo Pontes e as canções de Dolores Duran e Antônio Maria resgataram um Brasil que parecia definitivamente perdido nos anos 1970, incerto e inseguro, mas cheio de esperança ao mesmo tempo. O espetáculo revelou um aspecto, digamos, antropológico da vida do brasileiro, cuja recidiva ocorre com frequência: acreditar que a vida pode melhorar, em qualquer contexto.

Inspirado nas crônicas de Antônio Maria e canções de Dolores Duran, sua parceira, Paulo Pontes nos legou uma obra prima da dramaturgia brasileira. Seus protagonistas morreram muito jovens: Dolores; aos 29 anos, em 1959; Maria, aos 43, em 1964; Paulo Pontes, aos 36, em 1976. Entretanto, o espetáculo marcou as gerações seguintes, como a de Chico Buarque, que, ontem, completou 80 anos, parceiro de Pontes em Gota d'água (1975), com música de Dori Caymmi, e autor da Ópera do Malandro (1978), dedicada ao amigo dramaturgo.

Quem quiser garimpar, pode encontrar a gravação ao vivo da versão interpretada por Clara Nunes e Paulo Gracindo, em LP (1974) ou CD (1997), com o repertório completo: Ternura antiga (Dolores Duran e Ribamar), Ninguém me ama (Antônio Maria), Valsa de uma cidade (Antônio Maria e Ismael Netto), Menino grande (Antônio Maria), Estrada do sol (Tom Jobim e Dolores Duran), A noite do meu bem (Dolores Duran), Manhã de carnaval (Luiz Bonfá e Antônio Maria), Frevo nº 2 do Recife, saudade (Antônio Maria), Castigo (Dolores Duran), Fim de caso (Dolores Duran), Por causa de você (Tom Jobim e Dolores Duran), Pela rua (Dolores Duran e Ribamar), Canção da volta (Antônio Maria e Ismael Netto), Suas mãos (Pernambuco Ayres da Costa Pessoa e Antônio Maria), Solidão (Dolores Duran), Se eu morresse amanhã (Antônio Maria) e Noite de paz (Dolores Duran).

Era biscoito fino num momento político muito tenebroso da vida nacional, o governo do general Garrastazu Médici, cuja violenta repressão à oposição foi obscurecida pela conquista da Copa do México, em 1970, e pelo chamado "milagre econômico", que levou a classe média à sensação de que estava no paraíso — até a conta chegar. No imaginário reacionário de ex-presidente Jair Bolsonaro, esse teria sido o melhor momento da história do Brasil.

A melancolia de Dolores Duran, porém, em Noite de paz, antecipou aquele momento dramático, quando pede ao Senhor uma noite comum em que possa descansar, sem esperança e sem sonho nenhum: "Por uma só noite assim posso trocar/ O que eu tiver de mais puro e mais sincero/ Uma só noite de paz pra não lembrar/ Que eu não devia esperar e ainda espero."

De onde vem

Era uma situação muito, mas muito pior, do que a que vivemos no governo Bolsonaro, marcado pela pandemia. Mais ainda diante das ameaças de retrocesso em relação aos direitos sociais e políticas públicas, protagonizadas por um Congresso conservador que parece ter perdido a noção de que representa toda a sociedade, inclusive, as minorias, e não um ideário "iliberal", no qual a maioria se impõe pela força.

A posição ambígua do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao equilíbrio fiscal ajuda a tecer o arco de oposição ao governo, que inclui parcela expressiva da classe média e a maioria do empresariado. Essa realidade aparece na pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira, pelo jornal Folha de S.Paulo, embora a aprovação de Lula siga estável quando comparada à rodada anterior, feita em março, oscilando de 35% para 36%; enquanto a reprovação caiu de 33% para 31%; e avaliação de regular foi de 30% para 31%. A avaliação é mais negativa entre os que recebem mais de dois salários mínimos, entre os evangélicos e nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país.

E a tal esperança do brasileiro? Na pesquisa, 40% dos entrevistados acreditam que a situação econômica do país vai melhorar, ante 28% que preveem piora — estão tecnicamente empatados com aqueles que dizem que a situação ficará como está. Os que não sabem são 5%. Vêm das mulheres, com saldo positivo de 10 pontos, enquanto entre os homens, é de 1 ponto. Dos mais pobres, que ganham até dois salários mínimos: 18 pontos de diferença para ruim e péssimo (entre os ricos, é menos 18 pontos).

Entre as donas de casa, essa diferença positiva é de 19 pontos, o dobro da média das mulheres; entre os aposentados, 23 pontos. Lula tem 48% de ótimo e bom no Nordeste e virou a avaliação no Sul do país, onde, agora, tem 36% de aprovação, contra 33% de ruim e péssimo e 30% de regular, em razão da forte atuação em socorro aos gaúchos. Os mais jovens (47%), os menos escolarizados (50%) e os católicos (45%) são os mais otimistas.

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postado em 20/06/2024 06:01